O papa Francisco é comunista. Isso já era dito, assim, de forma meio envergonhada, pela direita católica brasileira, antes mesmo da eleição de Jair Bolsonaro, mas com aquela falsa convicção de quem sabe da mentira e fala mais por falar.
Ao bolsonarismo coube trazer também para essa seara a certeza típica dos idiotas: defensor dos direitos humanos, do aleitamento materno durante as missas e da humanidade da comunidade LGBT, Francisco, claro, só podia ser comunista.
Essa constatação abriu uma fissura na alma do cristão comum, dividiu paróquias, chacoalhou homilias e lançou o Brasil, o maior país católico do mundo, num crescente clima de Santo Ofício, como se Francisco fosse o anticristo e Bolsonaro, o messias. Claro, além de ser argentino.
As poucas dúvidas sobre o comunismo latente de Francisco se esvaíram nos dias passados, ao fim de uma pneumonia, quando disse que Lula havia sido, sim, preso injustamente pela Lava Jato. E, ainda: Dilma tem, sempre teve, “as mãos limpas”.
Na mídia, seguiu-se um silêncio trovejante, um medo sólido de que o próximo passo fosse a excomunhão dos envolvidos, repórteres, fotógrafos, editores, a turba de jornalistas que tirava foto comemorando a prisão de Lula, da desgraça de Dilma. Dissesse, “o inferno é pouco para essa gente”, Francisco teria provocado uma correria aos confessionários, nas redações brasileiras.
Nas redes bolsonaristas, onde Francisco é mais odiado que Belzebu, as declarações do papa circularam como corrente elétrica, convulsionando tudo em que tocava, fazendo gritar a legião de demônios que o padre, como seu mestre essencial, ajudou a empurrar para o abismo, nas eleições de 2022.
Pequenos diabos manipulados por diabões do latifúndio que temem, mais que o Canhoto, a volta das Comunidades Eclesiais de Base, da Teologia da Libertação, da opção preferencial da Igreja pelos pobres.
Esperam que Francisco morra logo, a tempo de não serem obrigados a se converter ao neopentecostalismo, às bravatas de pastores picaretas, de renegar a hóstia sagrada e chutar a imagem de Nossa Senhora. Sonham com um novo João Paulo II, um europeu que defenda a civilização ocidental da barbárie socialista, que dê conselhos a ditadores, que lave os pés de bestas feras, que diga aos pobres que aguentem firme, quietos e resignados, pois o melhor está por vir, no juízo final.
Vida longa a Francisco, pois.