O momento exige a indicação de Lenio Streck para o STF. Por Acelino Rodrigues Carvalho

Atualizado em 5 de abril de 2023 às 18:11
Lenio Streck, concorrente à vaga de Lewandowski no STF

 

Por Acelino Rodrigues Carvalho, advogado, especialista em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional, professor associado da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), mestre em Direito Processual e Cidadania e Doutor em Direito Público

Nenhum brasileiro sensato e minimamente esclarecido seria capaz de afirmar que o país viveu, nos últimos tempos, um ambiente de normalidade democrática. Um dos fatos mais marcantes desse período, que por certo ficará para sempre e tristemente gravado na nossa história, foi a condenação, a prisão e o impedimento de candidatar-se novamente de um ex-presidente da República, e a posterior anulação de suas condenações por ter sido processado e julgado num juízo incompetente e por um juiz parcial. Em meio a tudo isso, no ano de 2018 comemorava-se o aniversário de 30 anos de promulgação da nossa Constituição Cidadã, para perplexidade de alguns, incluído este escriba. Por este e tantos outros motivos, a indicação para preenchimento da vaga a ser aberta brevemente no STF, com a aposentadoria do eminente ministro Ricardo Lewandowski, deve revestir-se de cuidados especiais. Uma singela contribuição ao debate.

Recordando, no mês de março de 2016, em grampo ilegal divulgado ilegalmente pelo então juiz Sergio Moro, em conversa interceptada com a presidente da República Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmara: “nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada”. A referência nestes termos à Suprema Corte, como também ao STJ e ao parlamento, decorria daquilo que o ex-presidente considerava abusos perpetrados pela nominada operação Lava Jato, no interior da qual fora determinada ilegalmente, pelo mesmo juiz, sua condução coercitiva para prestar depoimento à Polícia Federal dias antes. Aliás, recorde-se também: os dois episódios ilegais, isto é, a condução coercitiva e a divulgação ilegal da conversa reavivaram o movimento pelo impeachment da então presidente da República, o que acabou se consumando e provocando uma fissura na sociedade que perdura até nossos dias, e tudo indica que continuará.

A fala do ex-presidente repercutiu negativamente na Suprema Corte. A reprimenda mais dura veio do então ministro Celso de Melo, que condenou a postura do ex-mandatário em pronunciamento contundente na sessão seguinte do tribunal. E aqui uma inversão curiosa: ao invés da condenação às ilegalidades do magistrado, uma reprimenda veemente à vítima de suas arbitrariedades. Àquela altura, porém, Lula já havia intuído que se tratava de uso indevido do Sistema de Justiça para persegui-lo. Tanto é assim que, durante a entrevista coletiva que concedeu após a condução coercitiva, lançou sua candidatura para as eleições presidenciais de 2018 e a manteve até o indeferimento pelo TSE. Significa dizer que, dali em diante, sua defesa se daria no campo jurídico, mas também na arena política. Lembremos da vigília popular em frente à sede da Polícia Federal, em Curitiba, durante todo o período em o ex-presidente ficou preso, e do movimento Lula Livre.

Por sua vez, Cristiano Zanin, advogado de Lula, desempou seu papel com maestria, nessa dupla perspectiva: promoveu a defesa técnico-jurídica e, paralelamente, passou a denunciar o lawfere, defesa de natureza política. Para isso, contou com a colaboração do Grupo Prerrogativas, coordenado pelo advogado Marco Aurélio de Carvalho. É preciso reconhecer o importante papel desempenhado pelo Grupo Prerrogativas e todos os seus integrantes nesse processo, com destaque para o grande Pedro Serrano. Não obstante, é preciso reconhecer também, que dentre os seus membros, um deles, além de ter atuado com esmero, colocou o peso do seu prestígio intelectual e doutrinário, com dezenas de livros publicados, mais de uma centena de artigos científicos, carreira de destaque no Ministério Público do Rio Grande do Sul e na docência, sempre em defesa da “Autonomia do Direito”, como forma de resguardar a democracia e os direitos fundamentais da pessoa humana.

Lula cumprimenta Lenio Streck no campo “Doutor Sócrates”, na ENFF do MST. Foto: Ricardo Stuckert

Trata-se de Lenio Streck, o maior jurista (jusfilósofo) brasileiro de todos os tempos. Sua Crítica Hermenêutica do Direito, desenvolvida de forma absolutamente original pela imbricação da Hermenêutica Filosófica de Gadamer, com a Teoria do Direito como Integridade, de Dworkin, constitui-se num modelo teórico simplesmente indispensável para uma adequada compreensão do fenômeno jurídico nessa quadra da história, no Brasil e em todo o mundo democrático, que o coloca ao lado de grandes juristas estrangeiros, como é o caso de Luigi Ferrajoli, jusfilósofo italiano, autor da Teoria Garantista do Direito e da Democracia. Além do mais, seu nome já foi cogitado várias vezes para integrar a nossa Suprema Corte.

A questão atinente à representatividade das mulheres e dos negr@s na nossa mais alta Corte de Justiça se afigura de suma importância. Todavia, deve ser postergada: a necessidade de reposicionamento das instituições nesse momento da vida brasileira, principalmente para evitar que voltem a ser utilizadas por aventureiros, em benefício próprio, em detrimento da democracia e do próprio país, exige a indicação de Lenio Streck para o STF, em substituição ao eminente ministro Ricardo Lewandowski. Respeito máximo a tod@s os demais que estejam sendo cogitados. Contudo, prescindir da autoridade intelectual e doutrinária de Lenio Streck na Suprema Corte, neste momento crucial de reconstrução democrática, não parece uma atitude prudente.

Por Acelino Rodrigues Carvalho, advogado, especialista em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional, professor associado da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), mestre em Direito Processual e Cidadania e Doutor em Direito Público. É autor de Constituição e jurisdição: legitimidade e tutela dos direitos sociais. Curitiba: Juruá, 2018.

 

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