Publicado na DW.
Organizações de direitos humanos criticaram a posição do Brasil de não receber detentos da prisão americana de Guantánamo, localizada em Cuba, como fez o Uruguai. Em nota, o Itamaraty afirmou que “o Brasil não estuda a hipótese de aceitar detentos oriundos da prisão norte-americana de Guantánamo”.
Maurício Santoro, assessor de direitos humanos da Anistia Internacional no Brasil, lembra que a responsabilidade principal sobre Guantánamo é dos EUA, mas a recepção de prisioneiros, também por parte do Brasil, oferece uma solução humanitária de curto prazo para os detentos que ainda estão em Cuba.
“Não que a responsabilidade seja do Brasil ou do Uruguai. Mas a situação está há vários anos num impasse, e esse gesto do Uruguai poderia ser repetido por outros países, inclusive pelo Brasil, para amenizar o problema a curto prazo”, afirma Santoro. “O que são seis ou mais prisioneiros para o Brasil em termos financeiros e diante do gigantismo brasileiro?”
Para Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil, a transferência dos detentos para o Uruguai é um passo importante para acabar com uma situação de injustiça. “Eles estão presos sem acusação formal. Outros países, como o Brasil, poderiam ajudar a dar fim a esse abuso”, comentou Canineu.
Para Camila Asano, coordenadora de política externa da Conectas Direitos Humanos, o Brasil não deveria só estudar a hipótese, mas dar um passo mais concreto para receber os presos liberados de Guantánamo. “É importante que países que tenham compromisso com os direitos humanos façam parte desse esforço solidário global para fechar Guantánamo”, afirmou Asano.
No domingo, o país do presidente José Mujica recebeu seis prisioneiros que ganharam o status de refugiados e poderão viver em liberdade no vizinho sul-americano. O grupo de quatro sírios, um tunisiano e um palestino – que tiveram a transferência autorizada por serem considerados de baixa periculosidade – é o maior a deixar a prisão desde 2009.
Desde o início de novembro, sete outros presos foram transferidos de Guantánamo, incluindo três para a Geórgia, dois para a Eslováquia, um para a Arábia Saudita e um para o Kuwait.
Mujica: “Ação humanitária”
Mujica afirmou que mantinha diálogo com os EUA há meses e que o país havia solicitado que os detentos permanecessem ao menos dois anos em prisões uruguaias, mas o pedido foi rejeitado. Ele afirmou que se trata de uma ação humanitária e que os ex-detentos têm status de refugiados e, caso queiram, poderão deixar o país “no dia seguinte, se assim desejarem”.
Com a liberação do grupo de seis pessoas, a população carcerária de Guantánamo foi reduzida a 136 presos, a maioria por acusações de terrorismo e sem julgamento. A prisão foi aberta pelo antecessor de Obama, George W. Bush, para abrigar suspeitos de terrorismo, como resposta aos atentados de 11 de setembro de 2001. Obama prometeu, ao assumir o cargo há quase seis anos, que fecharia a prisão.
Dorival Guimarães, professor de direito do Ibmec/MG, lembra que o Brasil é, tradicionalmente, um dos países que mais recebe refugiados no continente. E considerando que o país tem atendido aos chamados da ONU para recepcionar refugiados hatianos e sírios nos últimos anos, em número cada vez maior, a atual decisão não parece desumana, “mas uma escolha de prioridades pelo Brasil”.
Os refugiados, com idade entre 32 e 43 anos, estavam em Guantánamo desde 2002, quando foram presos no Paquistão sob a suspeita de ligações com a organização terrorista Al Qaeda. O ministro da Defesa uruguaio, Eleuterio Fernández Huidobro, afirmou que o governo averiguou a culpabilidade dos refugiados e que eles terão que conseguir trabalho caso queiram trazer suas famílias para viver no país.
Em carta, os refugiados agradeceram ao povo uruguaio e ao presidente Mujica pelo ato de solidariedade. A maioria dos uruguaios é contrária à presença dos ex-prisioneiros por temer que eles representem uma ameaça, apesar de o governo dos EUA assegurar que eles não são um problema para a segurança do país sul-americano.