O vereador de Sorocaba (SP) Dylan Dantas (PSC) é o que se pode chamar de bolsonarista raiz, pelo que mostra e pelo que faz. Mostra em suas redes sociais, forradas de imagens anticomunistas e tudo mais. Faz na Câmara dos Vereadores, como no último dia 23 de fevereiro, quando o parlamentar propôs uma moção de repúdio contra primeira-dama do país, Rosângela Santos (Janja), por ter publicado fotos durante o Carnaval.
Dylan Dantas é membro da Comissão de Educação da Câmara. Está lutando para a “volta da segurança para as nossas crianças”. Ele quer um guarda civil armado dentro de cada escola de sua cidade.
Dylan Dantas tem na fiscalização e busca por melhoria na educação sorocabana a sua maior bandeira. É autor do Projeto de Lei Municipal nº 31/2021, que autoriza a prática do homeschooling (ensino em casa) na cidade.
Quando a proposta foi aprovada, ele comemorou, e explicou que “o projeto de lei garante opções quanto ao conteúdo programático, que pode ter total autonomia dos pais; ou fornecidos pelo Poder Público; ou fornecidos por terceiros, como professor particular ou instituição educacional por exemplo”.
A melhoria na educação que busca Dylan Dantas passa por sua total privatização. Ele agora trabalha pela aprovação de outro projeto de sua autoria, o de número 192/2022. De fato, no último dia 21, sua proposta foi debatida em primeira audiência na Câmara.
O projeto prevê a instalação de um sistema de vouchers para a Saúde e a Educação Pública de Sorocaba. Já em seu artigo 1º, autoriza o Executivo Municipal a privatizar ou fazer a concessão de todas as unidades de saúde e todas as unidades educacionais da cidade. O Voucher da Educação é um vale-educação que permite a matrícula em unidades escolares conveniadas.
No dia 5 deste mês, Dylan Dantas sofreu um revés na Justiça. Foi obrigado a retirar fotos e mensagens de suas redes sociais a respeito de uma de suas “incursões-surpresa” às unidades escolares públicas de Sorocaba. O motivo: a Justiça identificou discurso de ódio e preconceito homoafetivo em suas postagens.
Fosse uma questão jurídica, a 1ª Turma do Colégio Recursal da 19ª Circunscrição Judiciária em Sorocaba poderia ter identificado também a absoluta ignorância e descolamento com a realidade do bolsonarista raiz.
O caso remonta a um episódio ocorrido em 28 de junho de 2022, quando, às 11h10, o vereador, acompanhado de seus assessores, adentrou uma escola pública e suas salas de aula, convocando professoras, alunos e a coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental, Andreska Rubia de Holanda, para que apresentassem urgentes esclarecimentos a respeito de graves denúncias que teriam chegado ao parlamentar: ali, na Escola Estadual Prof. Joaquim Izidoro Marins, teria sido celebrado nada menos do que um casamento lésbico entre duas alunas, sob as hostes da professora Marcia Alves dos Santos Rouyer. Ali disse isso, gritando. Em suas redes, repetiu as acusações.
O que se deu em seguida foi uma grande confusão, o corpo docente indignado e sem entender de que raios de casamento ele estava falando, inconformado com aquela invasão descabida no meio do horário de aula. Tudo conforme consta nos autos do processo TJ-SP 1027110-28.2022.8.26.0602, que é público.
Ao notar a oportunidade que o rebuliço que criara lhe proporcionava, Dylan Dantas sacou de seu celular, como também o fizeram seus assessores, e pôs-se a tirar fotos e gravar vídeos, prontamente publicados em suas redes, denunciando que ele, corpulento como é, estava sendo agredido por professoras pregadoras da ideologia de gênero, apenas porque tinha ido pacificamente àquela unidade de ensino, “para não prevaricar”, apurar as sérias denúncias de realização de um casamento entre meninas dentro de uma sala de aula!
As postagens não estão mais no ar, uma decisão judicial ordenou sua retirada, mais de um ano depois, no último dia 5. As professoras, por sua vez, não tardaram tanto quanto a Justiça, mas também demoraram a entender de que raios de casamento lésbico estava falando o bolsonarista.
Após reverem planos de aulas, revisarem currículos e muito puxarem pela memória em busca de qualquer episódio ocorrido naquela unidade escolar que minimamente se assemelhasse às “denúncias” que teriam chegado ao vereador, elas lembraram.
Tinha sido no final das atividades do primeiro semestre daquele ano de 2022, na disciplina optativa “JE PARLE FRANÇAIS MAINTENANT”. O curso tinha por finalidade proporcionar aos alunos o conhecimento da cultura francesa. Era uma aula de francês.
Nas atividades finais do período letivo, os alunos, divididos em grupos, realizaram dramatizações de cenas cotidianas, faladas em francês, demonstrando e enraizando os conhecimentos adquiridos ao longo do semestre.
Um dos grupos, composto por três meninas, decidiu encenar um casamento. Uma foi o padre, outra foi a noiva e a outra foi a… noiva. A aula não discutia relacionamentos homoafetivos, a aula não debatia homofobia, a aula não refletia sobre diferentes formatos de famílias. Era uma aula de francês. O casamento só estava ali para que os alunos praticassem parte do vocabulário que tinham aprendido no curso. O casamento era só um teatro, e só foi lésbico porque não tinha um “ator” menino no grupo para encenar.
A ignorância do vereador, além de frutificar em projetos de lei em favor da total privatização do ensino, acabou também por render custos ao Poder Judiciário, que já se debruçou em duas instâncias recursais sobre os atos do bolsonarista, para finalmente retirar suas postagens do ar, explicando ao ilustre parlamentar o motivo para tanto:
“As publicações têm caráter de discurso de ódio, ao mencionar como motriz da ação a investigação de um evento escolar em que aconteceu um ‘casamento lésbico’, ‘para não prevaricar’ (fls. 31). Com efeito, a publicação que menciona o motivo da atuação do vereador, tal como acima transcrito, inverte a lógica do ordenamento jurídico nacional, dando caráter criminoso à união homoafetiva.
As opiniões proferidas pelo vereador esbarram nos pilares da democracia como o respeito a todas as formas de sexualidade e a prevenção ao discurso de ódio.“
Eis, aí, o legado bolsonarista ao Brasil.