Muito se tem dito que o Carrefour trouxe para o Brasil a pior influência francesa. Ao invés do legado intelectual, da moda, da gastronomia e da literatura a rede se alinha com o racismo oriundo da agressiva prática escravagista que caracteriza a história colonialista daquele país. Sabemos que os escravizados, sobretudo (mas não apenas) de São Domingos eram tratados como verdadeiros animais – como o caso de Jean-Baptiste de Caradeux que permitia que os seus visitantes utilizassem os seus escravizados como alvo.
Não posso concordar com a alegação de “pior influência”, visto que os valores citados sempre foram artigo de exportação para as elites locais. A França nunca influenciou a população pobre, tampouco a escravizada. É mister destacar que não estou fazendo da França a grande algoz de todo o holocausto escravista, mas sim demonstrando a necessidade de evitarmos interpretações erradas a respeito da história das influências francesas. A França sempre foi, sobretudo nos tempos do império, um fetiche das elites locais (antepassados do agronegócio) que vestiam-se como os franceses mesmo que isso denotasse prática brega nos trópicos escaldantes.
Nos nossos prostíbulos havia meninas francesas legítimas e falsificadas (geralmente buscadas na Argentina), pois, para a elite, “deitar-se com uma francesa era o mesmo que se deitar com a própria França”. A influência musical, gastronômica, artística, estética e, sobretudo linguística, era uma forma legítima de agregar capital simbólico ao currículo dos rastaqueras brazucas. As damas sonhadoras comportavam-se como uma legítima Emma Bovary – mesmo que na personagem houvesse mais de Flaubert do que da própria dama (confusão típica do analfabetismo cultural de nossa elite).
Trocando em miúdos, a afirmação de que uma empresa racista, oriunda da França, desconsidera a grande contribuição de seu país para a história cultural brasileira é absolutamente vazia de conteúdo e fontes históricas. Primeiramente, o racismo em solo brasileiro dispensa influências para ser forte. Ele é endêmico e tipicamente brasileiro. Em segundo lugar, a França sempre foi o sonho fetichista das elites – que por suas vezes eram racistas de nascimento e essência (atavismo social e doméstico). Precisamos de menos Carrefour e mais L’Ouverture. Precisamos de combate rígido e efetivo a todas as práticas preconceituosas. Não podemos tolerar racismo de nenhum dos lados. Mesmo que fale bonito e com sotaque francês.