Raras vezes tantas tolices foram publicadas e compartilhadas em cima de um número malcompreendido.
Entre no Twitter e digite Petrobras 88 bilhões, e você encontrará uma enxurrada daquilo que de mais imbecil a mente humana pode conceber.
A cifra de 88 bilhões de reais representaria aquilo que foi desviado por corrupção na Petrobras.
Para quem tem o mínimo de familiaridade com números, é um caso parecido com o do homem de oito metros.
Mas poucos tem, e a Folha, origem dos disparates, não está entre estes raros.
Foi a Folha que deu a “informação”. Ela estaria no balanço divulgado pela Petrobras.
Depois, a Folha corrigiu o erro, mas era tarde demais: a asneira já fora transmitida e incorporada por dezenas, centenas, milhares de analfabetos políticos que incluem suspeitos de sempre como Lobão e Danilo Gentilli.
Os 88 bilhões são um cálculo aproximado de ativos supervalorizados.
Imagine que, em vez da Petrobras, se tratasse da Abril. Suponha que a Veja, o principal ativo da casa, tivesse sido avaliada num balanço em 1 bilhão de reais.
Depois, se verificaria que o valor estava inflado em 50%, digamos. No ano seguinte, o balanço corrigiria o excesso, e a Veja surgiria com o valor de 500 milhões de reais.
É mais ou menos isso.
Dentro dos 88 bilhões, existe uma parcela associada aos desvios. Mas ninguém sabe quanto é.
Na reunião de diretoria que aprovou o balanço, chegou-se a cogitar – ou chutar — uma soma de 4 bilhões em desvios, com base nos 3% de taxa de propina de que falou o ex-diretor Paulo Roberto Costa.
Os 88 bilhões não fizeram a festa apenas de internautas sem noção de grandeza de números.
Numa rápida pesquisa no Twitter, encontrei o link de uma entrevista da CBN com um economista para falar dos “88 bilhões em desvios”.
Mesmo confessando não ter condição de analisar o balanço, ele concedeu uma entrevista de mais de seis minutos.
Pobres ouvintes da CBN. Uma rádio competente jogaria luzes onde há sombras. Mas a CBN cobre áreas cinzentas com ainda mais sombras.
Mas não se pode desprezar a contribuição da Petrobras para a confusão.
Tente entender o que a empresa quis dizer na sentença abaixo, que consta do balanço e é assinada por Graça Foster. Um determinado método foi descartado, e a explicação foi a seguinte:
“O amadurecimento adquirido no desenvolvimento do trabalho tornou evidente que essa metodologia não se apresentou como uma substituta ‘proxy’ adequada para mensuração dos potenciais pagamentos indevidos, pois o ajuste seria composto de diversas parcelas de naturezas diferentes, impossível de serem quantificadas individualmente, quais sejam, mudanças nas variáveis econômicas e financeiras (taxa de câmbio, taxa de desconto, indicadores de risco e custo de capital), mudanças nas projeções de preços e margens dos insumos, mudanças nas projeções de preços, margens e demanda dos produtos comercializados, mudanças nos preços de equipamentos, insumos, salários e outros custos correlatos, bem como deficiências no planejamento do projeto (engenharia e suprimento).”
Proust podia escrever parágrafos intermináveis, pelo talento excepcional em juntar palavras, mas nenhum redator de balanços pode fazer o mesmo.
Frases curtas, simples, fáceis de entender: eis o que um balanço deve conter, para ser compreendido para além dos números.
E então você tem o cruzamento de um jornal que admite o homem de oito metros com um balanço escrito numa linguagem não identificada – parecida, apenas, com o português.
Estava tudo pronto para um festival de asneiras nas redes sociais. Falsos gênios chegaram a fazer contas: com 88 bilhões de reais você compra x Fuscas e coisas do gênero.
Claro que o PSDB não poderia faltar.
Em sua conta no Twitter, o PSDB postou um quadro que dizia que “o prejuízo da Petrobras com corrupção pode chegar a 88 bilhões de reais.”
Neste caso, não é apenas erro. É má fé. É manipulação. É cinismo.
E uma tremenda duma mentira. O presidente do PSDB, Aécio, acaba de gravar um vídeo em que diz que Dilma mente.
Antes de ser julgada, a Petrobras tem que ser compreendida.
O barulho em torno dos 88 bilhões de reais mostra que a Petrobras, embora tão falada, é uma ilustre desconhecida para muitos brasileiros. Por isso, é fácil usá-la com propósitos canalhas por quem quer tudo — menos, efetivamente, contribuir para o bem dela.