O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou nesta sexta-feira (23) do encerramento da Cúpula para um Novo Financiamento Global, realizada em Paris, e cobrou a reforma das instituições multilaterais como ONU e FMI, que segundo ele “não representam mais o mundo de hoje”. Diante de cerca de 40 chefes de Estado e de Governo e dos presidentes dos principais organismos financeiros, o brasileiro alegou que sem mudanças na governança mundial, “a questão climática vira uma brincadeira”.
Lúcia Müzell
“Quem é que vai cumprir as decisões emanadas dos fóruns que nós fazemos?”, questionou Lula. “Não se cumpre porque não se tem uma governança mundial com força para fazer a gente cumprir. É preciso ter clareza que se a gente não mudar as instituições, quem é rico vai continuar rico e quem é pobre vai continuar pobre.”
Durante dois dias, a cúpula buscou encontrar caminhos para aumentar a ajuda financeira para os países mais vulneráveis enfrentarem a pobreza e, ao mesmo tempo, o desafio do desenvolvimento sustentável. O presidente brasileiro sinalizou que os países ricos não se mobilizam tanto para apoiar os países pobres a superarem a miséria quanto têm se movimentado para diminuir o aquecimento do planeta.
“Não é possível que, numa reunião com tantos países, a palavra desigualdade não apareça. Nós estamos num mundo cada vez mais desigual a riqueza concentrada nas mãos de menos gente. Se a gente não colocar isso com tanta prioridade quanto a questão climática, a gente pode ter um clima muito bom e o povo continuar morrendo de fome em vários países do mundo”, alegou.
Volta do protecionismo e acordo UE-Mercosul
O presidente argumentou que as instituições criadas após a Segunda Guerra Mundial não atendem mais à geopolítica atual. O enfraquecimento de organismos como a Organização Mundial do Comércio (OMC), esvaziada pelos Estados Unidos, possibilitaram a “volta do protecionismo”, inclusive pelos países ricos. Como consequência, concluiu, “nós estamos vendo a pobreza crescer em todos os continentes”.
O líder brasileiro ainda criticou as exigências feitas pela União Europeia para fechar o acordo comercial com o Mercosul. “Os acordos comerciais tem que ser mais justos. Eu estou doido para fazer um acordo com a União Europeia, mas não é possível. A carta adicional [com novas condições, em especial ambientais] feita pela União Europeia não permite fazer um acordo. Não é possível que a gente tenha uma parceria estratégica e haja uma carta adicional fazendo ameaças a um parceiro estratégico”, disparou Lula, enquanto olhava para o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o presidente francês, Emmanuel Macron. O tema deve ser um dos focos do almoço de trabalho que o petista terá com Macron nesta sexta-feira.
Macron propõe balanço semestral
O presidente francês, que posicionou Lula ao seu lado na cerimônia de encerramento da cúpula, defendeu uma ampla reforma das instituições multilaterais e reconheceu que elas “precisam ser mais justas e representativas”. Ele pediu para os países participantes da cúpula se comprometerem com balanços semestrais sobre o andamento das propostas feitas no encontro, com vistas à Conferência do Clima de 2025 (COP30), que será realizada em Belém, no Brasil.
Macron celebrou que, durante o evento, “os economistas” encarregados da preparação para a COP deste ano, em Dubai, anunciaram que os US$ 100 bilhões prometidos pelos países ricos para os em desenvolvimento devem finalmente ser disponibilizados em 2023, com três anos de atraso. A promessa foi feita na Conferência do Clima de 2009, e tem sido cobrada com cada vez mais vigor pelos países do sul global, em especial o Brasil. O assunto minou a confiança entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e trava as negociações climáticas da ONU.
“Demorou, eu sei. A situação não está satisfatória”, admitiu o presidente francês. “Temos que fazer nós mesmos o que pedimos para os outros fazer”, disse o chanceler alemão, Olaf Scholz.
‘Teremos que ir morar em Marte’
A primeira-ministra da pequena ilha de Barbados, Mia Mottley, era a porta-voz das nações mais vulneráveis tanto do ponto de vista econômico, asfixiados por dívidas, quanto sob o aspecto ambiental. Convidada especial de Macron, ela exigiu uma “transformação absoluta” do sistema financeiro global, e não apenas uma “uma reforma de nossas instituições”.
“Temos que continuar avançando e a pergunta é: estamos indo rápido o suficiente? Vi que aqui nesses dois dias, as coisas se aceleraram. Há um consenso politico, mas temos que ter a capacidade de cumprirmos as promessas que fazemos”, reivindicou.
“Se não for assim, vamos ter que ir morar em Marte. Não teremos escolha. Essa conversa não pode continuar indefinidamente”, protestou.
O primeiro-ministro chinês, Li Qiang, por sua vez, argumentou que para ser possível avançar no multilateralismo, Pequim não deve mais ser vista como uma ameaça pelo Ocidente. “Podemos trabalhar com todas as partes para que governança seja equitativa”, disse o premiê. “O FMI e o Banco Mundial precisam acompanhar G20, numa reforma do sistema de votos”, pleiteou.
Representando os Estados Unidos na cúpula, a secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, reagiu: “Como as duas maiores economias do mundo, nós temos que compartilhar responsabilidades nas questões mundiais. É algo que podemos fazer e é algo que o mundo espera de nós”, disse ela, referindo-se à China.
Originalmente publicado por Radio France Internationale
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