Olho para minha estante e apanho um livro antigo. É um livro de um escritor barato, e está no meio de romances de escritores nada baratos. Dostoievski e Tolstoi, Balzac e Flaubert, Hemingway e Fitzgerald, Machado e Eça, Roth e Updike, Chandler e Hammett, Garcia Marques e Vargas Llosa.
É um livro simples, banal, tolo, como as coisas que escrevo. Mas eu o amo, e ele sobrevive ás limpezas periódicas de livros em minha biblioteca. O nome é Verão de 42, escrito por um certo Herman Raucher, e inspirou um filme tão bonito quanto o livro, e isso é raro. A trilha sonora, um piano lírico, melodioso, lento, triste, é uma das mais belas do cinema. Um cara retorna ao lugar em que passou o verão de sua vida, uma praia. Essa a história. O narrador lembra aqueles dias ensolarados, aqueles tempos de descobertas e transformação que a gente vive apenas aos quinze anos.
Vou direto ao final. Quero reler as últimas linhas ainda uma vez. O garoto se apaixona por uma mulher mais velha, com quem faz sexo pela primeira vez. Ela fora movida pelo desespero, depois de saber que o marido morrera, e o garoto pela paixão deslumbrada. Depois ela vai embora, e deixa uma carta para ele na qual diz esperar que ele seja poupado de todas as tragédias sem sentido. Mas ninguém é, ninguém é. O garoto cresceu, virou homem, e jamais perdeu a carta.
“De vez em quando, sempre que o mundo o castigava, ele parava o que estava fazendo e lia outra vez a carta”, diz o livro. Às vezes me pergunto se as coisas que um dia escrevi servirão de conforto a alguém quando o mundo castigar, ou se tudo são folhas na relva, palavras perdidas na imensidão das coisas. Não tenho resposta, mas secretamente alimento a ilusão de que certas coisas escritas por mim possam, quem sabe um dia, despertar um sorriso num rosto triste.
Um pequeno trecho do tolo livro de Raucher tem este efeito sobre mim. O narrador está indo embora do lugar onde vivera o maior verão de sua vida. “O homem se afastou da casa e voltou para a direção de onde viera, com a areia de todos esses anos passados caindo nos seus pés, a manhã fresca, a umidade matutina. E pensou na pequena verdade que ele quando menino tinha levado tanto tempo para entender. A vida é feita de pequenas idas e vindas, e para tudo que um homem leva existe alguma coisa que ele deve deixar.”
Para tudo que a gente leva existe alguma coisa que a gente deve deixar. É uma verdade dolorida, e também uma frase que eu gostaria de ter escrito.