John Cris Kiriakou revelou segredos de torturas dos Estados Unidos no Oriente Médio em 2007, ao denunciar o que foi feito com Abu Zubaida, considerado o terceiro nome mais importante da Al-Qaeda na época. Ex-agente da CIA, Kiriakou foi sentenciado à prisão em 2013 por dar o nome dos integrantes da agência envolvidos na atividade.
Em entrevista ao DCM, Kiriakou comentou uma reportagem recente do jornal Financial Times sobre o suposto apoio da CIA à legalidade da eleição de Lula em 2022.
Kiriakou também falou sobre o recente levante mercenário na Rússia, sobre a corrida tecnológica entre EUA e China, além de lembrar dos pontos positivos de seu trabalho na CIA.
Diário do Centro do Mundo: Uma reportagem do Financial Times afirma que segmentos do governo dos EUA, incluindo o Exército, a CIA, o Departamento de Estado, o Pentágono e a Casa Branca, fizeram campanha para manter as eleições de 2022 e a vitória de Lula. O que explica isso?
John Kiriakou: A CIA e a comunidade de inteligência americana mantinham relações muito próximas com o ex-presidente Bolsonaro. O artigo do Financial Times tem crédito e, normalmente, suas fontes são muito, muito boas. Conheço vários repórteres do Financial Times aqui em Washington e seus principais jornalistas.
Para acreditar nessa reportagem, algo mudou na política dos EUA e eu tendo a pensar que a mudança foi que Donald Trump não é mais o presidente aqui em Washington. É o tempo de Joe Biden.
Joe Biden conhecia o presidente Lula e havia trabalhado com o presidente Lula no passado e foi determinado que seria melhor para os Estados Unidos se Lula fosse presidente novamente. O governo americano, a CIA e a comunidade de inteligência não têm autoridade ou mesmo a capacidade de decidir quem será o presidente de qual país, especialmente uma grande potência como o Brasil.
O que eles podem fazer é oferecer ajuda clandestina, dinheiro para uma campanha ou talvez suas operações de influência na mídia. Não estou dizendo que aconteceu. Estou dizendo que é possível e faz sentido para mim.
DCM: Nesse mesmo artigo do FT, Tom Shannon, ex-alto funcionário dos EUA, diz que Lula tem um “tom de raiva e ressentimento” que se reflete nas relações internacionais. O novo presidente brasileiro está errado em criticar o imperialismo americano?
JK: Não só ele não está errado. Eu acho que é uma postura política muito sábia. E, francamente, não preciso dizer isso a você, é claro, mas os Estados Unidos têm uma história tão sombria de imperialismo, especialmente na América Central e na América do Sul. Acho que todos os países da região deveriam cultivar relações boas, saudáveis, fortes e iguais com a China, a Rússia e a Índia.
Acredito especialmente que um país com políticas fortes ajudasse a expandir a economia brasileira e fornecesse recursos para o povo brasileiro. Acho melhor e mais saudável se o Brasil tiver boas relações com todos os grandes países do mundo. O Brasil não deveria estar sob os auspícios ou sob a asa dos Estados Unidos. O Brasil deve ter relações fortes com a China e a Rússia e os demais países do Brics.
DCM: Em 2021, você disse a Sara Vivacqua, minha colega no DCM, que a Operação Lava Jato tinha uma parceria americana “alimentada por ódio e dinheiro”. Hoje, uma das estrelas da Lava Jato, o ex-procurador Deltan Dallagnol, é deputado cassado. O que mudou?
JK: Tivemos esse experimento fracassado com Donald Trump e não apenas com Donald Trump como pessoa com a ideia de um estranho como presidente. Alguém que ia drenar o pântano que é Washington e vimos o mesmo tipo de coisa acontecendo no Brasil com a eleição de Bolsonaro para presidente.
Acho que muitas pessoas se envolveram nessa ideia de movimento social populista e experimento social populista que na verdade não funcionou muito bem. Sempre tive problemas com a política americana em relação ao Brasil que é a ideia de que precisamos ajudar e encorajar qualquer candidato que se identifique como o candidato mais pró-americano que existe.
Isso não funcionou com Bolsonaro e foi ruim para o Brasil. Foi ruim para os Estados Unidos e ao mesmo tempo tinha um presidente como o Lula, que foi injustamente atacado pela Justiça e acabou indo para a prisão. Foi um aborto incrível da Justiça. Estou surpreso que o homem possa perdoar alguém.
Vimos a mesma coisa aqui nos Estados Unidos, onde as pessoas simplesmente ultrapassaram seus limites, passaram para o reino da ilegalidade e da inadequação. Lamento dizer que puxamos o Brasil nessa mesma direção.
DCM: John, você ficou famoso por denunciar o programa de interrogatório de prisioneiros da Al Qaeda, que envolvia tortura. Agora temos delatores da Lava Jato acusando promotores que receberam treinamento americano de “extorsão”. O método dos EUA foi exportado para a América Latina? Você tem alguma identificação com a história de Lula?
JK: Eu uso minha sentença de prisão como um distintivo de honra. Passei 23 meses na prisão depois de denunciar o programa de tortura da CIA. Eu estava certo e eles estavam errados. E tenho orgulho do que fiz. Denunciei a CIA. Continuei a denunciar a CIA.
E você faz uma pergunta muito boa. A CIA exportou esses crimes para a América Latina? E a resposta honesta é que não sabemos porque eles não nos contam. Agora devemos apenas acreditar na palavra da CIA?
Passei 15 anos na CIA e sei que eles mentem sobre literalmente tudo. Eles falam: ‘ah, a gente não exporta essas técnicas para outros países’. Não sei se podemos acreditar neles. Eles nos dizem que não torturam ninguém. Eles nos dizem que não têm prisões secretas.
Eles nos dizem que não têm um programa de assassinatos. Eles nos dizem que não têm um programa internacional de sequestro. Não sei qual é a verdade e sei que nossa supervisão do Congresso é tão fraca que nem mesmo é capaz de nos dizer qual é a verdade, então você faz essa pergunta: eles exportaram esse tipo de prática de interrogatório para a América Latina? Talvez eles tenham feito isso.
Eu não sei.
Mas eu não confiaria no que eles dizem. E, para responder a segunda parte da sua pergunta: sim eu me identifico muito com o presidente Lula.
Por causa do tempo que ele passou na prisão. Por um breve período de tempo, tive vergonha de ter estado na prisão. Enquanto eu estava na prisão, liguei para minha esposa um dia e ela disse que alguém havia perguntado ao meu filho, que era muito jovem na época, ele tinha oito ou nove anos, ‘é verdade que seu pai está na prisão?’ .
E ele disse que sim. ‘Mas Martin Luther King também estava na prisão’.
E eu entendi então que isso não era motivo de vergonha. Até meu filho quando criança entendeu o que eu fiz e por que fiz e isso fez tudo valer a pena.
DCM: Você disse que a CIA o traiu. Por quê?
JK: Porque no meu primeiro dia na CIA, junto com outras 300 pessoas, levantei minha mão direita e jurei defender a Constituição dos Estados Unidos contra todos os inimigos estrangeiros e domésticos. O que isso significava era que eu estava jurando defender a Constituição dos Estados Unidos e a Constituição é, você sabe, é um documento vivo que respira devemos ser uma nação de leis devemos ser uma nação que afirma ser um exemplo brilhante de respeito pelos direitos humanos e pelos direitos e liberdades cívicas.
Mas não é isso que um programa de tortura faz. Não é isso que um sequestro faz. Ou um programa de prisão secreta. Ou um programa de assassinato. Ou vamos viver de acordo com as leis que demos a nós mesmos ou não vamos fazer lobby em outros países para pressionar outros países a respeitar os direitos humanos ou não vamos.
Para dar um exemplo: quando eu estava com a CIA, na verdade passei dois anos trabalhando no departamento de Estado e, enquanto estava no departamento de Estado, eu era o oficial de direitos humanos e meu trabalho parcial era escrever o relatório anual de direitos humanos relatório enviado ao Congresso.
É o que acontece quando entro no gabinete do ministro do Interior e digo ‘Vossa Excelência não pode matar um menino de 15 anos porque marchou numa manifestação pró-democracia. Vou ter que colocar isso no relatório de direitos humanos e mandar para o Congresso’.
15 minutos depois, um chefe da CIA entra no escritório do ministro e diz ‘não dê ouvidos ao cara dos direitos humanos, queremos que você abra uma prisão secreta aqui onde podemos torturar prisioneiros ou você pode torturá-los para nós e você dá nós as informações que eles nos dão’.
Bem, quem é que ele vai ouvir? Ele vai ouvir o chefe da CIA com seus milhões de dólares em ajuda secreta ou vai me ouvir porque vou escrever um relatório e enviá-lo ao Congresso?
Então, você vê como minhas mãos estavam atadas e, como país, temos que tomar uma decisão e essa decisão é se queremos ou não estar do lado da lei e da ordem, do lado dos direitos constitucionais ou do lado dos fora da lei.
Eu estava do lado correto.
DCM: Existe alguma experiência positiva que você teve dentro da CIA?
JK: Ninguém nunca me perguntou isso antes. Eu direi que foi o trabalho mais emocionante que já tive na minha vida. Nenhum outro trabalho que eu já tive se compara a esse trabalho. E nada se compara.
Acrescentarei que as viagens foram incríveis. Fui até 70 países. Conheci reis, primeiros-ministros e presidentes e fiz coisas com as quais meus amigos só poderiam sonhar. Ao mesmo tempo, temos que respeitar outras pessoas, outros países, outros sistemas e outras formas de governo. Temos que respeitar os direitos humanos básicos, os direitos civis e as liberdades civis.
E eu acho que a forma como a organização está estruturada onde ela opera completamente em sigilo e não tem supervisão adequada dos comitês do Congresso que os comitês de inteligência da Câmara e do Senado fazem. É mais como uma organização fora da lei do que qualquer outra coisa.
Então, para mim pessoalmente, houve momentos em que me diverti muito, mas, olhando para trás, ao longo de uma carreira de 15 anos, houve problemas muito maiores do que problemas de apenas um homem que podem ser insuperáveis.
DCM: Como o senhor vê a posição do presidente Lula em relação à Guerra da Ucrânia e a relação que ele tenta manter com o presidente Biden, simultaneamente?
JK: Eu acho que a atual política brasileira é realmente a política mais sábia possível, especialmente para este período agora. Se vamos ser ativistas pela paz e acredito que o presidente Lula é um ativista pela paz, então temos que ser realmente ativistas pela paz.
A guerra deveria ser errada em todas as circunstâncias agora. Entendo por que os russos fizeram o que fizeram. Eu entendo isso. Os americanos intervieram na Ucrânia em 2014 e derrubaram um governo legítimo. Então eu entendo a política russa.
Ao mesmo tempo, se a guerra é errada, então a guerra é errada. Uma das coisas que eu realmente gosto na política brasileira agora é que os brasileiros, assim como os turcos e os chineses, se ofereceram várias vezes para sediar conversas entre russos e ucranianos.
Foram os Estados Unidos que rejeitaram essas negociações, então a política de Lula de se envolver tanto com o governo Biden quanto com o governo Putin, bem como uma política simultânea para promover a ideia de negociações de paz é absolutamente o caminho a seguir. E eu sei que é muito difícil para uma política como essa ter sucesso, especialmente quando os dois lados estão envolvidos em hostilidades ativas.
Mas acho que o presidente Lula precisa continuar pressionando essa linha política. Porque no final acredito que ele vai provar que está certo.
DCM: O que você acha da postura chinesa na guerra?
JK: Acho que é mais parecida com a de Lula. Há mais do que apenas o governo chinês se oferecendo para mediar. Veja o que mais os chineses fizeram no passado muito recente. Os chineses uniram os sauditas e os iranianos.
Tenho dificuldade em pensar em dois países que se odeiam mais do que o Irã e a Arábia Saudita, talvez a Coréia do Norte e a Coréia do Sul. Mas o fato de que os chineses não apenas uniram esses dois lados, mas também os encorajou a reabrir com sucesso as relações e reduzir a guerra no Iêmen.
Eu acho que é um grande sucesso. Agora, a única razão pela qual os chineses não conseguiram reunir os ucranianos e os russos é porque os Estados Unidos o rejeitam. Você sabe que os Estados Unidos estão chateados porque os chineses tiveram sucesso com o Irã e a Arábia Saudita, eles não querem ver mais um sucesso diplomático entre a Ucrânia e a Rússia
É por isso que não houve nenhum avanço nesse meio tempo. Você tem os chineses agora mediando entre os sauditas e os sírios. E eles reabriram as relações. Agora nós temos os sírios reabrindo as relações com os egípcios e os iranianos reabrindo as relações com os egípcios. Isso tudo está tudo saindo da diplomacia chinesa.
Então eu acredito muito que a posição do Brasil e a posição da China são muito próximas. As posições são para incentivar a diplomacia e incentivar todo mundo a conversar. Acho que, eventualmente, quando os dois lados se cansarem, eles acabarão naquela mesa de negociações.
DCM: No Twitter, já definiu Trump como um “perdedor” por não conseguir ser reeleito. No entanto, alguns analistas veem dificuldade na reeleição de Biden. Donald Trump e seus extremistas podem voltar ao poder?
JK: Reconheço que Joe Biden é provavelmente o candidato mais fraco que o Partido Democrata pode indicar para presidente. Mas acredito que Donald Trump é tão fraco que na verdade é a única pessoa que poderia perder para Joe Biden.
Se os republicanos indicarem qualquer outra pessoa, acho que Biden teria dificuldades. Biden é um homem velho, a economia não está ótima agora e ele é visto como fraco com isso.
Donald Trump é visto como um criminoso. Você sabe, embora os republicanos pareçam estar se unindo a Donald Trump.
Eu realmente acredito que se ele for o indicado, ele vai perder e acho que vai perder com bastante facilidade, qualquer outra pessoa vai dar trabalho a Joe Biden.
DCM: Você acha que, assim como Trump, Bolsonaro é um político enfraquecido após ficar inelegível?
JK: Eu acho ele fraco. Você sabe, quando Bolsonaro perdeu a presidência e depois fugiu para a Flórida, pegou muitos de nós de surpresa. Havia fotos dele nas redes sociais comprando comida no supermercado.
Sentado em um restaurante que você conhece sozinho e as pessoas diziam: ‘o que aconteceu com esse homem?’. Certamente ele tem problemas legais no Brasil. Ele tem problemas políticos, o mesmo tipo de problemas políticos que Donald Trump tem.
Eu simplesmente não consigo imaginar depois de um mandato que os brasileiros estariam prontos para voltar e votar nele novamente.
DCM: O presidente Lula diz que teve um bom relacionamento com George W. Bush, ao contrário de Obama. O que você acha disso?
JK: Acho que faz sentido. Você sabe, todo mundo gostava de George W. Bush como pessoa. Quase todo mundo gostava dele como presidente, mas acho que muitos americanos perceberam que ele não era realmente o presidente. Dick Cheney era realmente o presidente.
Mas, segundo todos os relatos, e você ouvirá isso tanto de republicanos quanto de democratas, George W. Bush era um cara legal. Ele era alguém com quem você gostaria de sair e beber uma cerveja.
Barack Obama nem tanto. Sou suspeito para falar sobre Obama porque acho que Obama nos vendeu para o Estado de Segurança Nacional.
Foi Obama quem processou oito denunciantes da Segurança Nacional e colocou todos nós na prisão. Isso é três vezes mais do que todos os presidentes americanos anteriores combinados e Joe Biden é uma extensão da Casa Branca e da política externa de Obama.
A política externa de Biden nem é tão boa quanto a de Obama. Pelo menos Obama abriu relações com Cuba e Joe Biden não reabriu as relações com Cuba.
Que foram fechados durante a administração Trump. Então, você sabe o quão louco é que, todos esses anos depois, estamos olhando para trás e dizendo ‘oh, sinto falta dos bons velhos tempos de George W. Bush’. É louco.
E deixe-me dizer-lhe uma outra coisa: nos salões da CIA durante a administração de George W. Bush, costumávamos nos maravilhar com o quão duro aquele departamento de estado trabalhava para não falar com nossos inimigos.
Se você está no departamento de estado, se você é um diplomata, seu trabalho é fazer diplomacia, seu trabalho é falar com todo mundo. Seu trabalho é apresentar os objetivos da política externa americana e eles trabalharam muito para não falar com nossos inimigos, para não se envolver na diplomacia.
Como você disse, foi George W. Bush que lançou a guerra no Afeganistão e a guerra no Iraque, mas então temos São Obama que se torna presidente e de repente estamos lutando na Síria, estamos lutando na Líbia, estamos lutando na Somália, ainda estamos lutando no Iraque, ainda estamos lutando no Afeganistão.
Bem, qual é a diferença? E nós matamos Bin Laden e nada mudou. Foi muito decepcionante.
DCM: O Washington Post disse que as agências de espionagem dos EUA obtiveram informações de inteligência em meados de junho, indicando que o chefe mercenário de Wagner, Yevgeniy Prigozhin, estava planejando uma ação armada contra o sistema de defesa russo. É possível que a CIA esteja ajudando Prigozhin?
JK: É possível, certamente. Se a guerra não estivesse acontecendo agora, o que provavelmente teria acontecido é que a CIA teria avisado o presidente Putin de que algo estava acontecendo. Isso aconteceu duas vezes no passado, onde a NSA ou a CIA obtiveram informações de que havia ameaças legítimas ao governo russo e, portanto, o presidente George H.W. Bush em um ponto alertou o presidente Gorbachev.
Então haveria uma tentativa de golpe contra ele e Gorbachev foi capaz de matar esse golpe antes que ocorresse. Então, alguns anos depois, a CIA obteve informações de que haveria uma tentativa de golpe contra o presidente Yeltsin e o avisaram com antecedência para que ele pudesse responder.
Portanto, há um precedente para alertar o presidente da Rússia de que algo está acontecendo, eles não o avisaram desta vez. E eu teria que supor que esta notícia veio de um vazamento da CIA. Portanto, certamente é possível que a CIA estivesse ajudando o grupo de Wagner de alguma forma ou decidisse simplesmente ficar de fora. Porque qualquer tentativa de atacar Moscou enfraqueceria Putin e a CIA quer que Putin seja enfraquecido.
Acho que Prigozhin exagerou muito na mão. Ele disse nos últimos dias que tinha 25 mil homens dispostos a se mudar para Moscou. Isso simplesmente não era verdade e eram mais de 2.500 homens ou 3.000 homens.
Isso também não era verdade, ele havia assumido o controle de uma base militar em Rostov. Ele simplesmente não tinha o apoio para sustentar sua retórica e suas ameaças. E então, quando ele recebeu a ligação do presidente Lukashenko dizendo que havia falado com Putin e o presidente russo estava disposto a permitir que Prigozhin fosse para o exílio na Bielo-Rússia.
O que teríamos visto se ele continuasse em Moscou teria sido um banho de sangue, totalmente.
DCM: Rebekah Koffler, uma ex-analista da CIA, afirmou que Vladimir Putin ‘orquestrou’ o golpe com o chefe mercenário de Wagner, Yevgeny Prigozhin, em uma ‘bandeira falsa clássica’ para tentar fazer o Ocidente acreditar que seu exército havia enfraquecido. Você concorda?
JK: Não, eu não concordo. Ele não precisa convencer o Ocidente de nada. O Ocidente será convencido de uma forma ou de outra com base no que está acontecendo no campo de batalha.
Este é um problema que tenho com muitos analistas e ex-analistas da CIA. Tudo para eles é uma bandeira falsa. Bem, você sabe como as bandeiras falsas são complicadas. Você sabe, quantas partes móveis existem em uma bandeira falsa, onde tudo tem que ir exatamente de acordo com o planejado para que realmente funcione.
Depois de 15 anos na CIA, posso dizer que há muita gente estúpida na CIA. Tem muita gente que não tem ideia do que está fazendo. Há muitas pessoas que simplesmente não estão equipadas para pensar no longo prazo. Além disso, a CIA, como qualquer grande organização, é um tipo de organização burocrática lenta.
Eles não são capazes de tomar decisões rapidamente para fazer esse tipo de coisa acontecer. Não, não acredito na narrativa da bandeira falsa.
DCM: Você acha que a CIA agora está usando IA para tomar decisões ou fazer operações hoje em dia?
JK: Definitivamente sim. 100% sim. Na verdade, a CIA, quando eu ainda estava lá, quando a IA era apenas uma fantasia de empresas de tecnologia, já estava trabalhando nisso. A CIA investiu dezenas de milhões de dólares em algo chamado braço de capital de risco.
Eles usaram o dinheiro do contribuinte para investir em tecnologia de ponta. Chegou a bilhões e bilhões de dólares e, portanto, a CIA pode usar essa tecnologia. Quando ainda está em fase de testes. Estou confiante de que a CIA estava entre os primeiros usuários de inteligência artificial e espero que muitas dessas decisões que estamos vendo saindo da CIA possam ser atribuídas à IA.
Muitas decisões vêm dos jogos de guerra. O que estamos vendo saindo da comunidade de inteligência pode ser atribuído à IA. Acredito que veremos muito mais disso no futuro.
DCM: Como o aprimoramento do exército com drones?
JK: Isso tudo está conectado. Mesmo 20 anos atrás, quem diria que isso elevaria o nível de guerra de drones até o que temos hoje? Ninguém poderia sequer ter pensado em tal coisa. Mas eles estavam pensando nisso na CIA. Agora estamos falando sobre esses robôs e cães robôs. Você já viu no Netflix, na série Black Mirror.
Esses cães robôs, bem, agora são uma realidade. Essas coisas automatizadas, esses robôs vão travar guerras. Não haverá seres humanos lutando em guerras em alguns cenários.
DCM: A CIA tem muito medo dos chineses em tecnologia?
JK: Sim. Não é apenas uma corrida armamentista entre eles que todos estamos vivenciando, é uma corrida tecnológica. E você sabe, os Estados Unidos decidiram gastar mais dinheiro com as forças armadas do que os próximos oito maiores países juntos ou, olhando de outra forma, os Estados Unidos têm um orçamento de defesa maior do que os 144 países menores juntos.
Os chineses optaram por gastar seu dinheiro em pesquisa e desenvolvimento e no Desenvolvimento Internacional. E no programa Belton Road e investindo em metais de terras raras e investindo em infraestrutura em lugares como a própria China e Leste Asiático.
E agora os Estados Unidos não conseguem entender. Como começamos a ficar para trás dos chineses? Bem, a resposta é muito fácil. Porque decidimos gastar nosso dinheiro em uma coisa e os chineses decidiram gastar seu dinheiro em outra coisa, então temo que os Estados Unidos fiquem para trás da China nessas questões de tecnologia avançada.
Simplesmente porque não temos dinheiro para fazer o tipo de pesquisa que os chineses fazem sobre cidades inteligentes e tudo isso.
DCM: Você acha que Biden pode conceder perdão a Julian Assange?
JK: Ouça, eu espero que ele perdoe Julian Assange. Eu não acho que ele vai. Eu direi e esta é apenas minha própria análise. Isso não se baseia em nenhuma informação privilegiada, mas as coisas parecem ter ficado muito quietas nas últimas três semanas com Julian Assange, depois que a Suprema Corte britânica rejeitou seu recurso de extradição.
Assim, ele pode buscar esclarecimentos sobre a decisão e, em seguida, pode apelar para a Corte Europeia de Direitos Humanos. Existe um precedente para o Tribunal Europeu de Direitos Humanos bloquear a extradição, espero que aconteça.
Ouvi rumores de que os advogados de Julian no Reino Unido estão em algum tipo de discussão com o departamento de justiça dos EUA que permitiria que Julian se declarasse culpado de algum crime que não sei qual e ele seria condenado a cumprir pena e expulso de o Reino Unido de volta para casa na Austrália.
Isso seria um desenvolvimento maravilhoso. Os Estados Unidos e o Reino Unido estão sob pressão do governo australiano e do governo brasileiro para libertar Julian Assange e permitir que ele volte para a Austrália.
Espero que a maré tenha começado a mudar e as pessoas possam ver que seria um erro terrível processar um jornalista e editor, porque isso permitiria processar e perseguir todos os jornalistas da Segurança Nacional que escrevem qualquer coisa, com base em informações que o governo americano considera sigilosas.
Ou informações da Defesa Nacional, isso seria uma ladeira escorregadia para o fascismo. Realmente algo que seria um erro terrível que nosso país cometeria.
DCM: Por que você acha que a situação de Julian chegou a esse ponto?
JK: É uma combinação de razões e isso não é específico nem dos democratas nem dos republicanos. Ambos são igualmente culpados.
Tudo começou com Barack Obama. Ele acusou mais denunciantes da Segurança Nacional de espionagem três vezes, eu disse três vezes mais, do que todos os presidentes anteriores juntos. Ele se colocou em uma caixa ideológica e legal onde foi forçado a continuar acusando as pessoas de espionagem.
Não foi por isso que a Lei de Espionagem foi transformada em lei. Não foi feito para atingir denunciantes e contadores da verdade.
Mas Barack Obama não acusou Julian Assange de crime. Ele disse que tinha o que chamou de problema do New York Times. Obama disse que se eu acusar Julian Assange, tenho que acusar o New York Times, porque o New York Times publica informações classificadas todos os dias, então ele não o acusou de um crime.
Donald Trump acusou Julian de um crime.
E assim o governo Biden herdou as acusações do governo Trump. O que Joe Biden poderia ter feito logo no início de sua presidência era retirar as acusações. Apenas se afaste do caso e diga: olha, não achamos que poderíamos provar este caso.
Achamos que foi um erro da administração Trump acusá-lo e ir embora, mas eles não foram embora. Eles se dobraram e foram aos tribunais britânicos e tentaram repetidamente em todos os níveis do sistema judicial britânico para considerá-lo extraditável.
E agora eles chegaram ao ponto em que eles teriam que mandá-lo para os Estados Unidos e julgá-lo por acusações de espionagem, caso em pode enfrentar 150 anos de prisão.
Ou você ainda pode deixá-lo sair da prisão. Mas o presidente foi tão inflexível que ele deveria julgá-lo agora. Se Biden deixá-lo ir, parecerá fraco. Então, no final, Assange vai ter que implorar alguma coisa ou vai ter que ser libertado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos.
DCM: Por que você acha que Biden não retirou essas acusações?
JK: Acho que Biden não queria parecer fraco em questões de segurança. Acho que com a crise econômica, ele teve muitos problemas quando se tornou presidente.
A economia piorou, os republicanos gritavam com ele e Trump dizia que a eleição havia sido roubada. E acho que Biden simplesmente não queria lidar com outro problema deixando Julian Assange ir.
DCM: Quanto existe de teoria da conspiração no envolvimento da CIA em operações internacionais?
JK: A missão da CIA é muito simples. É recrutar espiões para roubar segredos e depois analisar esses segredos para permitir que os formuladores de políticas americanos façam a política mais bem informada.
Portanto, é trabalho da CIA interceptar as comunicações de todos os celulares, os emails. Para recrutar fontes humanas para roubar esses segredos internos. É isso que eles fazem, é assim que são promovidos.
Se você é um oficial da CIA, não será promovido por não roubar segredos, não será promovido se não interceptar o celular de alguém. Então, sim, é isso que eles estão fazendo em quase todos os países do mundo.
DCM: Você acha que existe outra maneira de ter uma agência de inteligência sem usar esses métodos da CIA?
JK: Sim. Estou registrado dizendo que não acho que precisamos de uma CIA. Acho que a CIA deveria ser dissolvida agora.
Temos outros métodos para proteger nosso país, outros métodos pelos quais podemos fazer políticas informadas. Não precisamos roubar as comunicações de todos e nos infiltrar em seus governos. Existem maneiras melhores, mais baratas e mais eficientes de fazer isso.
E a forma principal é uma diplomacia mais robusta e imparcial. Se o objetivo da política externa americana não fosse dominar países ou regiões inteiras, mas engajar esses países em parcerias, então não precisaríamos de uma CIA.
DCM: O que você acha de Edward Snowden e do trabalho de Glenn Greenwald, que hoje defende a liberdade de expressão no modelo dos EUA?
JK: Snowden, direi primeiro sobre porque ele é o mais fácil de entender dos dois. Acho que Snowden é um verdadeiro herói americano. Sem Snowden e suas revelações, não teríamos ideia de que o governo americano estava espionando o povo americano.
Isso é algo claramente ilegal. O governo, a NSA, a CIA, o FBI, estão fazendo isso desde o 11 de setembro. E não teríamos ideia se Snowden não tivesse nos contado. Então acho que o país tem uma grande dívida de gratidão com ele.
Estou feliz por ter sido um dos primeiros a apoiar Snowden quando estava na prisão. Quando ele divulgou suas informações e eu escrevi uma carta para ele, uma carta pública e uma carta particular, e seu pai veio à prisão para me visitar.
Trocamos mensagens por meio de um amigo da CIA que ambos tínhamos, então estou orgulhoso de ter sido um dos primeiros apoiadores de Ed Snowden. Estou orgulhoso do que ele fez, foi a coisa certa a fazer.
Glenn Greenwald e eu fomos para a faculdade juntos. Eu era um veterano, um quarto ano quando ele estava no primeiro ano. Nós dois éramos membros de uma organização democrata da faculdade juntos.
Então eu me lembro muito bem de Glenn. Nós eramos amigos. Glenn ficou rico e famoso e é uma personalidade internacional. Não tenho certeza se concordo com algumas de suas posições desenfreadas de liberdade de expressão mais recentes, porque algumas das posições que ele assumiu podem encorajar o discurso de ódio.
Mas acho que seu coração está no lugar certo e acho que ele também prestou um grande serviço ao povo americano, especialmente ao divulgar a história de Snowden. Eu gosto de Glenn, acho que ele é um jornalista muito talentoso e desejo bem a ele.
Seu marido também morreu recentemente [David Miranda]. Foi um acontecimento muito triste.
DCM: Você acha que precisamos de uma lei para proteger o Brasil das big techs?
JK: Sim. Nos Estados Unidos, o custo foi muito alto, você sabe, os analistas estimaram que a mídia nos Estados Unidos deu a Donald Trump em 2016 um bilhão de dólares em cobertura de notícias. Eles subestimaram o quão impopular, quão profundamente impopular, Hillary Clinton era.
E a piada é que Hillary Clinton foi literalmente a única pessoa na América que não conseguiu derrotar Donald Trump. Foi por causa da mídia. A mídia continuou promovendo-o dia após dia com um bilhão de dólares em publicidade gratuita.
Então percebemos o erro que cometemos e todos começaram a atacar Donald Trump. E Trump não lida bem com ataques e por isso respondeu com mentiras e com notícias falsas e apontando o dedo para todos os outros.
Que todos os seus problemas e todos os problemas do país foram o resultado de seus inimigos o atacando e agora estamos em uma posição em que todos nos odiamos. Estamos todos em desacordo politicamente.
Moro em Washington há 41 anos e nunca vi tanta raiva e mesquinhez como agora, onde as pessoas nem falam umas com as outras se forem membros de partidos políticos opostos.
Então, temos que tentar reverter isso e acho que muito disso depende da mídia para não promover esse tipo de ódio e divisão política, e muito disso vem por causa de notícias falsas.
Notícias falsas também são uma questão lucrativa. As pessoas ganharam muito dinheiro promovendo essas notícias falsas.
DCM: Como você vive hoje, como você trabalha após denunciar a CIA?
JK: Não há muitas empresas nos Estados Unidos que bateram na minha porta para me oferecer trabalho agora. Então, eu meio que tenho que ganhar a vida sozinho. Eu tenho um programa de rádio todos os dias aqui em Washington.
Tenho um programa de televisão uma vez por semana chamado The Whistleblowers, onde entrevisto denunciantes internacionais todas as semanas.
Escrevo uma coluna em um site chamado Consortiumnews.com. Escrevo uma coluna para a capa da revista Action, que é uma revista anti-CIA. E espero começar um podcast como você pode ver atrás de mim.
Estou me preparando para o meu novo podcast que espero começar nas próximas duas ou três semanas para que você saiba um pouco aqui, um pouco ali. Eu faço algumas palestras. E dou aulas.
DCM: Uma última mensagem para o seu público brasileiro?
JK: Vou tentar não ser partidário, mas devo dizer que acho que o fato de o povo brasileiro ter dado sua confiança ao presidente Lula é um desenvolvimento maravilhoso, é uma coisa ótima. Acho que a maior parte do mundo espera grandes coisas do Brasil, não só da economia brasileira, mas também do poder da diplomacia brasileira.
O Brasil é um grande player mundial e está na hora do Brasil exercer esse poder e essa Autoridade no cenário internacional e nas Nações Unidas em prol da Paz. Acho que o povo brasileiro eu parabenizo francamente.
Por dizer não ao populismo de direita como aqui nos Estados Unidos. Estamos tentando fazer a mesma coisa, mas estou muito otimista com o Brasil e estou otimista com o povo brasileiro mesmo com problemas com os indígenas.
Não é só no Brasil, mas está acontecendo no Equador e na Guiana. E você conhece qualquer lugar que tenha petróleo, você tem que enfrentar as companhias petrolíferas americanas. Não deixe que as companhias petrolíferas americanas destruam seu meio ambiente e roubem seu povo. E extinguir seu povo indígena.
Você tem que enfrentar as grandes empresas de petróleo, essa é a chave para fazer isso. Cometemos o erro de não enfrentá-los e veja o que eles fizeram internamente nos Estados Unidos. Veja o que aconteceu com nosso povo indígena.
Eles nem sequer têm direito aos seus próprios recursos hídricos. Não deixem isso acontecer com vocês.
Se seus espectadores estiverem interessados, eu publico tudo o que escrevo no substack, JohnKiriakou.substack.com. Também estou no Twitter e no Facebook.
Veja a entrevista na íntegra.