Nosso colunista conta suas conversas com Anderson Silva

Atualizado em 22 de fevereiro de 2015 às 6:55
Ele
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Anderson Silva está, neste momento, sozinho em algum canto da sua mansão na Califórnia, lendo o que está sendo escrito sobre ele. A propósito: Olá, Anderson. Espero vê-lo lutando novamente depois do gancho de um ano que você certamente vai levar.

Mas não tenho certeza se veremos o ex-campeão no octógono mais uma vez. Anderson parece estar, aos poucos, cedendo sob a maior pressão que já sofreu na vida (e não foram poucas: vencer onze defesas de título não é brincadeira). Como um Howard Hughes, o milionário paranoico retratado no filme “O Aviador”, Anderson se tornou recluso – faltou à própria audiência do caso de doping na terça passada – e se comunica com o mundo usando missivas incompreensíveis que publica no Instagram.

Como interpretar, por exemplo, a frase “Falar muito de si mesmo, pode ser um jeito de esconder aquilo que realmente é …”, vinda de alguém que justamente não está falando? O Instagram é a chave para entender onde está a cabeça de Anderson agora. Ele não ficou calado, como se noticiou, desde que foi pego no primeiro teste antidoping, feito antes da luta, e que acusou a presença de esteroides anabolizantes. Já até postou um vídeo em que o ator Pedro Cardoso critica a forma como a mídia cria e destróis ídolos com o mesmo ímpeto. O ex-campeão está se sentindo traído pela cobertura dos fatos e não se escusa de mandar recados enviesados para quem quiser lê-los. Parece um animal ferido e assustado.

O forte de Anderson nunca foi a argumentação. Ele é inseguro no trato dos próprios negócios e dado a mudanças de humor repentinas. Eu sei disso porque tive contato direto com esta faceta de Anderson. Em meados de 2008,  eu publicava minha primeira capa na revista Época: o personagem era o próprio. Anderson havia me dado uma longa entrevista de mais de cinco horas, por telefone, de Las Vegas. Não era sequer sombra do atleta de sucesso e força do marketing esportivo que viria a se tornar. Depois de publicada a reportagem, Anderson ligou para agradecer. Normal, dado que era uma das primeiras reportagens que focava no lado positivo do MMA. Mas eu o percebi um pouco titubeante.

Até que ele falou. “Cara, você escreveu um negócio lá que eu fico preocupado de alguém da minha família ler e não gostar”, disse. Eu me lembro de sentar na escada de incêndio e levar a mão à testa. O que poderia ser? Uma informação errada? Algo dito em “off”? “Uma coisa que você escreveu sobre a luta de outras pessoas”, ele disse. Não acreditei. O problema de Anderson era o lide da reportagem, em que eu dava minha impressão de ver uma luta de MMA pela primeira vez. Eu dizia que era como presenciar um espancamento e não poder chamar a polícia. Ali percebi como o campeão tinha a pele fina fora do ringue.

Um fato recente que me chamou muito a atenção foi o último antidoping em que Anderson caiu, feito depois da luta. O teste apontou a presença em seu sangue de um calmante. Um calmante. Benzodiazepina, o composto que está em Frontal, Rivotril, Lexotan etc, etc. Quem tomaria algo que diminui os reflexos antes da luta em uma modalidade em que, da última vez, você quase perdeu uma perna? Alguém às raias de um ataque de nervos, esse alguém.

Outra vez em que me encontrei com Anderson serviu para ensinar como funciona seu séquito e como ele confia cegamente nos “chapas”. Foi para fazer uma capa da revista Alfa, alguns anos depois da entrevista à Época. Anderson estava promovendo uma luta que faria no Rio de Janeiro e, famélico antes da pesagem, chegaria ao hotel para descansar após alguns compromissos pela capital. Eu não havia combinado a entrevista mas precisava levá-la para a redação de qualquer jeito. A assessoria de imprensa, já administrada pela empresa de Ronaldo Nazário, disse que não seria possível. Colei num dos assessores pessoais de Anderson, um amigo seu de longa data. Insisti, expliquei meu caso com calma, falei bastante, implorei. Ele convenceu o campeão a dar um by-pass na assessoria e falar comigo por 15 minutos (mesmo tempo em que ainda tiramos a foto de capa).

Na ótima coluna de Jorge Corrêa, o jornalista diz ter apurado que Anderson hoje se encontra, sim, solitário, especialmente em comparação à “legião de assessores, amigos, colegas e parceiros de treinos que sempre estiveram ao seu lado”. Isso o machuca mas tem outra coisa que o afeta ainda mais. Como disse mais acima, Anderson se afeta terrivelmente por críticas. O que mais parece lhe machucar é a resposta da torcida. Ele reproduziu, de novo em seu infalível Instagram, o comentário demolidor de alguém que se identificava como um fã traído. Spider escreveu a legenda: “Lamentável e muito triste”. Vale a pena ler o comentário do ex-fã. 

No post em que diz que está sendo julgado precocemente, publicado também no Instagram no dia 20, Anderson não contesta o resultado dos antidopings. Há por que acreditar que esta será sua estratégia de defesa. “Não sei do que me desculpar”, ele diz, de forma dúbia. Ele diz que nunca foi trapaceiro, mas não nega que as substâncias estiveram em seu sangue.

Ele vem, agora, postando comentários de apoio a seu treinador de longa data Rogério Simões. Será que a devassa que Spider diz estar fazendo de forma independente nos remédios e suplementos que tomou desde a perna fraturada vai apontar alguém de sua equipe como culpado? Não fará diferença para a Comissão Atlética de Nevada. O gancho vai acontecer.

Muitos atletas voltam do doping. Cesar Cielo é exemplo de um que jogou todas as fichas na contaminação de suas pílulas e voltou às graças do povo. Mas era infinitamente mais jovem que Anderson está agora. Já a lista de grandes que jamais voltaram do doping, como sabemos, não caberia nesta coluna (e o servidor tem alguns gigabytes sobrando).

Anderson pode pegar um ano de gancho, a não ser que algo inacreditável aconteça. O “capo” do UFC, Dana White, que fala mais de improviso que Lula, já deu sua sentença. Está desapontado com Anderson e vai testar seus atletas com mais frequência (e sempre de surpresa).

Será que Anderson teria força para voltar a lutar em 2016, aos 41 anos? O que se sabe é que, se tiver, esta força terá que vir de dentro dele próprio – e não da farmácia.