A escritora Sylvia Plath e e a atriz Elena Andrade percorreram caminhos parecidos que conduziram ao suicídio.
O texto abaixo, de autoria de Bárbara Lopes, foi publicado, originalmente, no site Blogueiras Feministas.
Existe uma ideia de que a substância da arte pode ser uma força tão intensa que aqueles que a tocam não podem sair ilesos.
As histórias de Sylvia Plath e Elena Andrade servem de testemunho a isso. Ambas mulheres artistas, fascinantes e depressivas, ambas suicidas.
A história da escritora americana Sylvia Plath, que se matou em 1963, com 30 anos já foi recontada uma infinidade de vezes. São as histórias da história de Sylvia que compõem o livro A mulher calada, de Janet Malcolm.
O filme Elena, por sua vez, é o resultado do mergulho de sua irmã, Petra Costa, na vida da atriz, que morreu em 1990, aos 20 anos.
Sylvia Plath é considerada um ícone feminista, especialmente por causa de seus últimos poemas, que estão no livro Ariel. Lá ela surge com uma voz crua e cruel, que recusa o papel de boa moça. Porém, sua vida também alimentou esse retrato.
Nascida nos Estados Unidos, mudou para a Inglaterra em 1955 e lá se casou com o poeta Ted Hughes. O casamento durou seis anos e o casal se separou em 1962, quando Sylvia descobriu que o marido estava vivendo um romance com outra mulher.
No ano seguinte, ela deixou leite e biscoitos no quarto dos filhos, fechou a porta da cozinha e abriu o gás.
A cada versão, os papéis de herói e vilão se invertem. Alguns relatos a colocam como a vítima de um homem mulherengo e de um casamento infeliz. Em outros, ela é que fazia da vida de Hughes um inferno, com seu humor inconstante e seu egoísmo.
A mulher calada transita entre essas narrativas, biografa os biógrafos e mostra as dores e prazeres que surgiam a cada detalhe revelado sobre a vida íntima do casal.
O filme de Petra Costa segue um caminho ao mesmo tempo similar e oposto. Elena mudou para os Estados Unidos para tentar ser atriz de cinema. Lá, porém, a melancolia a foi consumindo. A diretora se debruçou sobre as cartas, diários e registros da irmã, refez seus passos e ouviu os que conviveram com ela.
Mas a intenção não era produzir uma biografia factual sobre a irmã, e sim refletir sobre si mesma e o quanto de Elena existe nela. O resultado não é uma narração, mas a reunião de fragmentos poéticos e íntimos.
Existe uma tentação muito grande, diante de histórias trágicas, de procurar enquadrá-las na grande tragédia social e encontrar os culpados nas estruturas da sociedade.
Não faltam elementos para isso. Essas duas mulheres, mesmo que em épocas diferentes, se viram diante dos limites para a vivência de mulheres como artistas, os padrões de comportamento e aparência esperados.
Uma das biógrafas de Sylvia Plath, Anne Stevenson, falando de si mesma conta do esforço para não ser derrubada do lugar de escritora:
A primeira dessas forças, diz ela, foi a pressão do “que costumava ser chamado ‘feminilidade’ – o sexo, o casamento, os filhos e a posição socialmente aceitável de esposa”.
Ao mesmo tempo, as duas histórias nos desafiam como dramas que não são derivados de qualquer carência material, nem de dificuldades concretas. Parece um exagero e uma injustiça culpar Ted Hughes pela morte de Sylvia Plath, e ao mesmo tempo, parece absurdo culpar a própria escritora.
No caso de Elena, é marcante no filme a dedicação de sua mãe, que desistiu da luta armada contra a ditadura por causa da gravidez e que saiu do país para acompanhar o sonho da filha, que percebeu sua depressão e que fez tudo para salvá-la. Se não podemos culpar pessoas específicas, devemos culpar a sociedade? A conta não fecha.
Por fim, resta a arte – a visão romântica e mitificada do artista na corda bamba, do artista se aproximando do fogo, do artista à beira do precipício. Que pode ser reconfortante em alguns aspectos, porque seria uma troca, um acordo fáustico: a infelicidade pela chance de tocar o absoluto. Mas é uma arapuca.
Como diz Anne Stevenson:
Minha discussão com Sylvia é essencialmente moral e filosófica: para mim, não há obra de arte ou “grande poema” que valha tanto sofrimento humano.
Afinal, já há sofrimento bastante no mundo sem que procuremos aumentá-lo em benefício de um psicodrama interior (…)
Mas a crença numa “Arte” desse tipo, no chamado “risco” da Arte e no dilema existencial do artista (ou a genialidade ou a morte) é, para mim, semelhante ao fanatismo religioso dos fundamentalistas.
Vale conhecer essas mulheres – não só Elena e Sylvia, mas as que contam as histórias também. Não porque possam nos explicar sobre o mundo em que vivemos, mas porque seus universos particulares são valiosos em si mesmos. Porque neles há vísceras e beleza.
• A mulher calada: Sylvia Plath, Ted Hughes e os limites da biografia. Janet Malcolm; tradução de Sergio Flaksman. Editora Companhia das Letras.
• Elena (82 minutos). Direção: Petra Costa; produção: Busca Vida Filmes. Estreia nacional em 10/05.