A arte de divertir: Enquanto Bolsonaro fala do horário de verão e das aulas de humanas, a reforma da Previdência avança

Atualizado em 27 de abril de 2019 às 18:33

 

Depois de acabar com o horário de verão, Bolsonaro mira agora no acordo ortográfico da língua portuguesa e no curso de humanas.

São medidas que não melhoram a vida das pessoas — em alguns casos, pioram —, mas geram polêmica, e talvez esteja aí o objetivo dele com essas medidas.

Enquanto se discute se vale a pena ou não adiantar em uma hora o relógio, a discussão que mais importa fica em segundo plano — a reforma da Previdência.

O acordo ortográfico da língua portuguesa é outra área em que Bolsonaro anuncia sua pretensão de agir.

Um parlamentar bolsonarista se antecipou e apresentou requerimento para discutir a revogação do acordo, proposta que teve repercussão até no exterior — dois jornais de Portugal deram a notícia com destaque.

O assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro, Felipe Martins, tratou logo de retuitar, com um comentário que não faz sentido.

“O Acordo causou um dano significativo no processo de alfabetização, introduzindo confusões e dificuldades que antes não existiam. Enfrentar esse problema em um país em que os índices de analfabetismo—stricto sensu e funcional—são tão altos não é nenhum luxo”, escreveu ele.

Para o analfabeto, o acordo não causou dano nenhum, já que, com mudanças ou sem mudanças na língua portuguesa, as regras ortográficas eram desconhecidas para ele.

O ataque à área de humanas, desferido hoje por Bolsonaro, também é tema polêmico, embora sem efeito prático num primeiro momento.

Pela Constituição, as universidades contam com autonomia pedagógica.

Isso não significa que o Ministério da Educação não tente pressionar para que, efetivamente, sejam extintos os cursos de filosofia ou sociologia na universidades — Bolsonaro usa a palavra “descentralizar” investimento, sem explicar o que isso significa.

Ele tem alguns instrumentos na mão — o orçamento e a prerrogativa para nomear reitores não comprometidos com as metas essencialmente acadêmica.

É quase certo que o objetivo de Bolsonaro não é mesmo explicar nada.

É fazer barulho, como ocorre quando levanta a discussão sobre brasileiros que perdem o pênis por falta de água e sabão, o turismo sexual e a lei Rouanet.

Enquanto as pessoas discutem o que Bolsonaro pretende fazer em áreas que não prioritárias para o governo — nenhum governo —, tira-se o foco do que mais importa.

A tática é manjada.

Jânio Quadros usava os bilhetes para mudar o assunto, seja como presidente ou como prefeito de São Paulo. Suas mensagens tinham o mesmo efeito do Twitter hoje.

Quando ele aumentou o IPTU, em 1986, foi uma gritaria geral. No meio da polêmica, levantou a discussão sobre a presença de homossexuais na escola de balé do município.

Foram todos para a discussão do balé, e esqueceu-se do IPTU.

Bolsonaro não tem a genialidade de Jânio Quadros. Pelo contrário. Mas aprendeu como mudar de assunto.

Damares cumpriu bem esse papel, mas ela cansou. Ernesto Araújo não é levado a sério.

Bolsonaro está em campo para fazer confusão. Enquanto isso, Paulo Guedes toca a banda.

Bolsonaro diverte — no sentido etimológico da palavra (divertere, do latim, significa olhar para outra direção, mudar de lado) — e nesse sentido faz jus ao apelido: Bozo.

É para Paulo Guedes que se deve olhar com mais atenção, embora não se deva desprezar Bolsonaro.

O Nero, o imperador, era louco, e tocou fogo em Roma.