A baixaria da campanha em SP e o papel forçado da esquerda. Por Luis F. Miguel

Atualizado em 3 de outubro de 2024 às 19:26
José Luiz Datena (PSDB) dá cadeirada em Pablo Marçal (PRTB) durante debate da TV Cultura. Foto: Reprodução

Por Luis Felipe Miguel, publicado em seu Facebook

No domingo, brasileiros de todo país, menos aqui do Distrito Federal, vão às urnas escolher os novos prefeitos e vereadores de suas cidades.

No discurso do civismo convencional, a eleição é “a festa da democracia”. Seria o momento em que o povo exerce sua soberania e, por meio do voto, define o futuro da coletividade.

O que nós vemos, entretanto, é um festival de baixarias, de desinformação, de uso do poder econômico e da máquina administrativo.

O que as campanhas, como regra, trouxeram de luz para uma escolha consciente? De fato, quanto maiores as chances eleitorais de um candidato, mais seu discurso tende a se tornar ou ilusório ou desidratado.

A maior cidade do país foi também aquela que se superou em baixaria. Os candidatos trocaram agressões verbais e físicas, praticamente sem qualquer espaço para um debate sobre os interesses que representam e o projeto que encarnam.

O clichê me faria dizer que a campanha paulistana foi um circo, mas sei que logo viria alguém me admoestar, observando, corretamente, que os artistas de circo propiciam uma diversão sadia.

Não é só a baixaria aberta. Vejamos Tabata Amaral, que se vendeu na campanha como a boa moça, a competente, a “adulta na sala” (palavras dela própria).

Quem compra essa imagem sabe, por exemplo, que ela é “a favor da educação”. Mas de que educação ela é a favor? O projeto privatista que a candidata encarna não aparece, escondido pelo marketing.

Tabata Amaral (PSB), candidata à Prefeitura de São Paulo, durante debate na Band. Foto: Reprodução

Só aparece um vislumbre dele, vejam só, quando Pablo Marçal diz, em tom meio de deboche, que a convidaria para seu secretariado.

A ausência de clareza não vem só da baixaria. É congênita à campanha eleitoral moderna.

Coisas de democracia periférica? Tudo indica que não. No nosso grande irmão do Norte, inspiração de nosso sistema político, a eleição presidencial não é muito diferente.

Na verdade, o nível do debate é próximo do zero. Republicanos e democratas têm como prioridade arrecadar dinheiro dos grandes financiadores de campanha, com o alinhamento a seus interesses que isso necessariamente representa, e constituir enormes equipes de advogados para disputar a impugnação de eleitores nos chamados “estados pêndulo”, aqueles que decidem a maioria do colégio eleitoral.

O fato é que o processo eleitoral, embora tenha se tornado sinônimo de democracia, é uma pálida efetivação de seus ideais.

Tudo, na vida do eleitor comum, o afasta da competência política. No trabalho, na escola, dentro do lar, ele é premiado quando obedece e aprende que exercer seu senso crítico e pensar com a própria cabeça é sempre um risco.

Ele sabe que seu voto, um entre milhões, quase certamente não será decisivo e isso o desincentiva a se educar politicamente.

Como podemos imaginar que, de um treinamento social permanente assim, teremos eleitores conscientes?

Mulher em cabine eletrônica durante votação. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Por outro lado, os grandes interesses econômicos têm muitos recursos para estimular que os candidatos ajam em favor de seus interesses.

Do financiamento de campanha ao lobby, da dependência do Estado diante do investimento capitalista à corrupção, fica muito claro que o poder político se submete ao econômico.

Isso não é uma falha: isso é próprio a vinculação entre um Estado formalmente democrático e uma sociedade capitalista.

A democracia eleitoral, no fim das contas, cumpre uma função de estabilização do sistema. Fato curioso: ao mesmo tempo em freia qualquer propósito de transformação radical da sociedade, a eleição se mostra bem eficaz para legitimar retrocessos.

É o momento atual, em que nosso objetivo se limita a evitar o pior.

À esquerda, o processo eleitoral apresenta múltiplos incentivos para a moderação de seus programas, para a acomodação à ideologia dominante e para a transformação da vitória nas urnas em alfa e ômega de sua ação.

Em vez de buscar ganhar eleições para mudar o mundo, a esquerda é cada vez mais levada a mudar a si mesma na esperança de ganhar eleições.

Sim, é difícil imaginar uma ordem democrática que dispense a competição eleitoral. Mas fazer dessa competição toda a democracia que existe na sociedade, isso é o caminho para o fracasso.

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