Um tributo a Paul Lafargue, o francês que defendeu o direito de não fazer nada
De Paris
“Que é aquele prato?”, pergunto em inglês ao garçom. Ele usa um rabo de cavalo, e às vezes sai para fumar um cigarro na porta do restaurante. Estou em Paris, e não sei o que significa “bar”, um dos pratos do dia.
“Peixe”, ele responde.
“Que peixe?”, insisto.
“Hmmm … bar”, ele responde imediatamente.
Clap, clap, clap. Aplausos de pé pela preguiça épica do garçom. Bem, eis um retrato da França.
Fico sabendo, depois, que bar é robalo.
Gosto desse traço do francês, a preguiça. É um antídoto ao culto do trabalho que, propagado pelos americanos, transformou dezenas, centenas de milhões de pessoas em gente sem vida além do escritório. O francês sabe viver a vida. Trabalho é trabalho – até as seis da tarde. Depois, vinho, conversa, fromage – ou simplesmente nada.
Ninguém em toda a história da humanidade captou tão bem a beleza da preguiça quanto Paul Lafargue, naturalmente francês. Em 1880, Lafargue – genro de Marx, mas isso não vem ao caso – escreveu o Direito à Preguiça, um pequeno clássico da inteligência provocativa — até hoje lido, estudado, citado e admirado. Era uma resposta a um livro chamado O Direito do Trabalho, que hoje não é lembrado senão por ter serviço de inspiração para Lafargue. Selecionei dez frases que nos fazem pensar em nós mesmos e em nossa relação com o trabalho. Se você estiver com preguiça, dê a si mesmo o direito sagrado de não lê-las.
1) “Sejamos preguiçosos em tudo, exceto em amar e em beber, exceto em sermos preguiçosos.”
2)”O trabalho é a causa de toda a degenerescência intelectual, de toda a deformação orgânica. Comparem o puro-sangue das cavalariças de Rothschild, servido por uma criadagem de bímanos, com a pesada besta das quintas normandas que lavra a terra, carrega o estrume, que põe no celeiro a colheita dos cereais.”
3)”Os filósofos da antigüidade ensinavam o desprezo pelo trabalho, essa degradação do homem livre; os poetas cantavam a preguiça, esse presente dos Deuses.”
4)”Jeová, o deus barbudo e rebarbativo, deu aos seus adoradores o exemplo supremo da preguiça ideal; depois de seis dias de trabalho, repousou para a eternidade.”
5)”O provérbio espanhol diz: Descansar es salud (Descansar é saúde).”
6) “A nossa época é, dizem, o século do trabalho; de fato, é o século da dor, da miséria e da corrupção.”
7) “Introduzam o trabalho de fábrica, e adeus alegria, saúde, liberdade; adeus a tudo o que fez a vida bela e digna de ser vivida.”
8 )”Que se proclamem os Direitos da Preguiça, milhares de vezes mais nobres e sagrados do que os tísicos Direitos do Homem; que as pessoas se obrigue a trabalhar apenas três horas por dia, a mandriar e a andar no regabofe o resto do dia e da noite.”
9) “O trabalho desenfreado é o mais terrível flagelo que já atacou a humanidade.”
10) “A paixão cega, perversa e homicida do trabalho transforma a máquina libertadora em instrumento de sujeição dos homens livres: a sua produtividade empobrece-os.”