Só agora entendi.
A certa altura do jogo entre Corinthians e São Paulo, o juiz solicitou ao capitão alvinegro que fosse conversar, do campo, com a torcida.
Ele atravessou o gramado, fez sinais e, como notou o comentarista de um canal fechado pertencente à Globo, não conseguiu absolutamente nada.
Quando soube enfim do que se tratava, pelas redes sociais, ficou claro por que a torcida ignorou os apelos do juiz.
Os torcedores corintianos ergueram faixas de protesto. Eles estavam se manifestando contra várias coisas. Contra a onipotência da Globo em fixar jogos para as dez da noite, contra os preços dos ingressos, contra a roubalheira das merendas no governo Alckmin.
Era uma manifestação pacífica – e politizada.
Entendo por que a equipe do canal da Globo tenha privado os telespectadores do que estava por trás daquela cena que paralisou o jogo por alguns minutos. Narrador e comentarista com certeza temeram dizer que sua empresa era um dos alvos dos torcedores.
Agora: o que leva um juiz a querer coibir torcedores em seu legítimo direito de dizer não a uma ou, como foi o caso, a várias coisas?
O jornalista Gian Oddi, da ESPN, resumiu assim o episódio no Twitter. “Cada vez que uma faixa do gênero for vetada, seja do time que for, devemos divulgá-la mais e mais. Então lá vai.”
E então ele postou a foto.
Diversos fatores são dignos de nota no caso. O mais importante é o que parece ser o despertar político da torcida do Corinthians. Já no meio da semana houvera uma situação parecida.
Pode ser que, mais que a torcida do Corinthians apenas, São Paulo esteja acordando do longo torpor político que a tornou o paraíso dos analfabetos políticos que batem panelas e vão para a Paulista com a camisa da CBF pedir coisas como a volta dos militares.
Poucos meses atrás, São Paulo foi palco de um vitorioso movimento de secundaristas contra uma decisão do governo Alckmin de fechar escolas públicas.
Você soma as coisas e pode ficar esperançoso de que os dias de estrepitoso reacionarismo de São Paulo podem estar chegando ao fim.
Outra dedução que o protesto dos torcedores permite diz respeito à exaustão da sociedade diante da Globo. Jogos num horário tenebroso apenas para que a grade da Globo não seja modificada são uma violência contra quem vai aos estádios — e mesmo contra vê as partidas apenas pela tevê.
Você coloca o torcedor no último degrau das prioridades. Primeiro, vem a Globo e sua novela.
Ora, ora, ora.
Onde mais uma agressão dessas seria tolerada senão num país que, como dizia uma das faixas da torcida, é refém da Globo?
Na Inglaterra, onde tudo é organizado e o transporte público é impecável, os jogos noturnos são às 19h45. Fui a vários. Você sai do jogo, pega o metrô e antes das 22 está em sua casa.
Isso se chama respeito ao torcedor.
Os dirigentes de futebol morrem de medo da Globo e não fazem nada. A revolta teria que partir dos torcedores.
No futebol, e não só no futebol, o interesse público não pode se subordinar a ninguém. Mas no Brasil a Globo vem primeiro.
A manifestação dos corintianos sugere que esta aberração indecente e indefensável pode estar chegando ao fim.