O cantor Michel Teló poderia ter evitado o mico de posar no Instagram com o rosto pintado de preto se o assunto “racismo” estivesse mais presente nas suas conversas do dia a dia. Teló e boa parte dos seus fãs não sabia que o ato de passar tinta preta no rosto, chamado de blackface, surgiu no século XIX nos Estados Unidos como uma forma de ridicularizar os negros em espetáculos de humor.
No país com maior número de negros fora da África, o mito da mestiçagem foi introduzido na mentalidade nacional com tanta competência que ainda hoje pessoas acreditam que episódios de discriminação racial não passam de mal-entendidos e acusam de vitimismo as reivindicações por ações afirmativas.
Teló, aparentemente, não faz parte desse grupo. No postagem no Facebook onde pede desculpas pelo blackface, ele reconhece que existe discriminação por aqui. “No anseio de me expressar contra o racismo, um assunto infelizmente ainda tão presente nas nossas vidas, acabei me envolvendo em uma corrente do Instagram, fazendo uma foto que, prá mim, era sinônimo de igualdade”.
A boa intenção se esfarelou por causa das críticas, obrigando Teló a apagar o post do Instagram horas depois. “Acredito que alguns conheçam o “black face”, mas acredito também que a maioria, assim como eu, não tinha conhecimento”, escreveu mais tarde no mea-culpa.
Um dos internautas que criticaram o cantor resumiu a polêmica com precisão: “O Michel Teló representa o brasileiro médio que nem sabe o que é blackface”.
O comentário me fez lembrar da palestra da executiva Mellody Hobson no TED, citada em outros artigos que escrevi no DCM. Ela defende a ideia de que uma das formas de combater o racismo é discutir o tema nos mais diversos espaços de convivência, postura que ela chama de “valente à cor”, em oposição à tendência de não observar as diferenças raciais, chamada por ela de “cegueira à cor”.
“Acho que é a hora de nos sentirmos confortáveis com a conversa desconfortável sobre raça: branco, negro, asiático, hispânico, homem, mulher, todos nós, se realmente acreditamos em direitos iguais e oportunidades igualitárias na América, acho que devemos ter conversas reais sobre esse assunto. Não podemos nos dar ao luxo de sermos cegos à cor. Temos que ser valentes à cor. Temos que estar dispostos, como professores e pais, e empreendedores e cientistas, temos que estar abertos a conversas proativas sobre raça, com honestidade, compreensão e coragem, não porque é a coisa certa a se fazer, mas porque é a coisa esperta a se fazer”, disse Hobson.
Ser “valente à cor” é simplesmente uma mudança de postura. Significa sair do senso comum, questionar o status quo e encarar a diversidade de frente. A valentia à cor não faria Teló e outros brasileiros médios pesquisar no Google sobre estereótipos raciais, mas poderia deixá-los atentos a notícias como o da peça “A Mulher do Trem”, suspensa por causa do uso de blackface para representar um personagem negro.
Da mesma forma, a valentia à cor não livraria o jogador Daniel Alves das bananas atiradas por racistas, mas nos pouparia do equivocada campanha “Somos Todos Macacos” criada no rastro da ofensa.
Pelo menos o mico de Teló teve uma função pedagógica e serviu para divulgar o conceito de blackface. Daqui pra frente as pessoas vão pensar melhor antes passar tinta preta no rosto e posar em solidariedade à causa negra. Mas para isso precisarão ser valentes à cor.