Todas as noites cruzo o centro de São Paulo a partir da rua Xavier de Toledo até próximo à passagem Tom Jobim na junção do Vale do Anhangabaú com o bairro da Luz.
A penumbra que persiste no local é assustadora.
Em parte deste caminho, em frente ao Teatro Municipal, foram captadas imagens para o filme “Ensaio sobre a cegueira” do paulistano Fernando Meirelles baseado na obra de José Saramago.
Está tudo muito sujo e feio.
Quem viu o longa de Meirelles sabe o que estou querendo dizer: parece que a imagem da sujeira criada para o cenário se congelou naquele espaço.
A passagem subterrânea ao lado do antigo Mappin virou um mictório a céu aberto.
Não se trata de propagar ideias higienistas, mas tentar entender como a atual administração desistiu da cidade em tão pouco tempo.
Nas calçadas do entorno do Teatro Municipal, moradores de rua se amontoam e se encolhem entre animais de estimação e ratos na tentativa de dormirem para prosseguir a jornada do próximo dia diante dos olhos de uma civilização que os esqueceu, que os abortou do convívio social.
Não há política pública que os abarque, que ofereça a eles um mínimo de dignidade.
Os telefones públicos estão destruídos, envelopados com propagandas de programas de serviços sexuais. Na esquina da avenida São Joao um bar acorrenta mesas e cadeiras na calçada para não serem furtadas.
O Ponto Chic, diferentemente do que acontecia há uma década, está fechado neste horário – não tem mais os famosos lanches Bauru e o Rococó.
Mesmo diante de tudo isso o prefeito teve a ousadia de dar duas notícias intrigantes aos paulistanos: o aumento dos salários de seus secretários e a transformação do elevado Joao Goulart, o famoso Minhocão, em parque de eficácia duvidosa.
Ao final da caminhada de aproximadamente 300 metros, já nas proximidades da passagem Tom Jobim, a escuridão permanece ao som de máquinas de músicas vindo de bares sombrios que cortam o silencio soturno e a tristeza em que se transformou São Paulo.
A epidemia chamada “Cegueira branca” do filme de Meirelles parece ter penetrado no prefeito Bruno Covas e em todo o estafe da administração municipal.
Resta saber, como no filme, qual a única pessoa que terá o dom da visão neste cenário de decadência e destruição gradual da cidade.
*Mário Cortes foi coordenador dos Assuntos da População Negra – CONE – da prefeitura de São Paulo