O relato do senador Marcos do Val coloca Bolsonaro no centro da trama golpista. Está cada vez mais difícil sustentar qualquer narrativa que não o incrimine.
Marcos do Val mudou de versão várias vezes em poucas horas, mas em todas permanece o eixo central: foi levado pelo ex-deputado Daniel Silveira para um encontro com Bolsonaro. Queriam que ele gravasse uma conversa com Alexandre de Moraes, induzindo-o a falar algo comprometedor. A gravação levaria à prisão do ministro do STF e, na confusão institucional que se seguiria, Bolsonaro anularia as eleições e permaneceria no cargo.
O suporte técnico para a gravação seria fornecido pelo GSI do general Heleno.
A reunião entre Marcos do Val, Daniel Silveira e Jair foi confirmada pelo senador Flávio Bolsonaro, que disse não haver nada de errado nela.
“Fato é que, no dia 31 de dezembro, o presidente Bolsonaro deixou a Presidência”, disse Flávio, antecipando a estratégia de defesa: como só houve planejamento, não concretização, não houve crime. Não sou jurista e o tema é controverso, mas cumpre lembrar que funcionários públicos têm deveres especiais, inclusive de denunciar às autoridades a preparação de crimes da qual tome conhecimento.
O novo caso se junta a muitas outras evidências das ambições golpistas do ex-presidente, hoje foragido na Flórida, incluindo a minuta de decreto de anulação das eleições e inúmeras declarações públicas, dele e de seus próximos.
A ideia de punir Bolsonaro é tratada com muita prudência em Brasília. Motivos não faltam – golpismo, negligência criminosa no exercício do governo, aparelhamento do Estado, corrupção. Mas há medo seja de transformá-lo num mártir da extrema-direita, seja de sua eventual prisão acirrar os ânimos de sua base radicalizada e levar a novas ações terroristas.
O que as revelações de Marcos do Val fazem é tornar cada vez mais escandaloso qualquer desfecho que não tenha Bolsonaro na cadeia.
As preocupações com as consequências imediatas são relevantes. Mas a punição de Jair também é um imperativo por isso: não puni-lo passa o recado errado para a extrema-direita, o recado de que ela pode tramar e fazer o que quiser, sem temer consequências, porque não será responsabilizada jamais.
Punir Bolsonaro é tanto uma exigência de justiça, diante de tantas vítimas de seus crimes, como uma exigência do processo de reconstrução da democracia no Brasil.
Se ele e seus cúmplices ficarem impunes, o golpismo e a instabilidade política não sairão de cena.
Uma observação lateral: o senador Marcos do Val, que fez as revelações em laive de madrugada, é uma figura grotesca.
A laive foi estranha, o senador parecia alterada. O trecho em que ele diz “ficar puto” por ser chamado de bolsonarista – ele, que foi o pitbull de Jair na CPI da Covid – é particularmente bizarro.
É como se eu gravasse um vídeo dizendo que fico puto por ser chamado de professor de Ciência Política…