Lula é, desde esta quinta-feira, cidadão honorário de Paris e está sob proteção simbólica da capital francesa.
Patrick Klugman, secretário de relações exteriores da prefeitura, vê na honraria a denúncia de “um processo instrumentalizado politicamente para impedi-lo de concorrer a uma eleição presidencial na qual ele era favorito”.
Nesta entrevista ao DCM, Klugman explica a origem da medida, o apelo de brasileiros por uma ação de Paris contra as perseguições crescentes no Brasil.
Questionado sobre as críticas que a cidade já recebe da extrema direita brasileira, ele responde relembrando o papel de Paris na fundação dos direitos humanos no mundo.
Ele anuncia que, caso a situação do prisioneiro político piore, recorrerá ao Ministério das Relações Exteriores da França.
Por que Lula recebe um título de cidadão de honra nesse momento?
Por uma razão muito simples. Paris tem uma tradição de cidadãos de honra, que visa dar um título de proteção a todas as pessoas que são ameaçadas na sua integridade física e no exercício de suas liberdades fundamentais e que precisam ser protegidas num dado momento.
A condição do Sr. Lula da Silva, pelos elementos que conhecemos, mostra um processo instrumentalizado politicamente para impedi-lo de concorrer a uma eleição presidencial na qual ele era favorito.
Ele está atualmente encarcerado enquanto aquele que o condenou é ministro da justiça. Esse todo compõe as condições para que ele recebesse o título de cidadão de honra da cidade de Paris.
Como o senhor, enquanto secretário de relações internacionais da prefeitura de Paris, vê a Operação Lava-Jato?
Não fazemos uma apreciação jurídica. Lula foi condenado. Então não podemos nem exigir um processo justo. O processo foi esgotado, mas tudo demonstra que não foi esgotado de modo equitativo, justo e juridicamente confiável.
Por isso que Lula está simbolicamente sob nossa proteção. Ele deve ser apoiado moralmente e fisicamente.
O cerne da acusação contra ele, eu diria que não é a questão para nós. A questão não é de saber se ele é corrupto ou não.
A questão é de saber se ele teve um processo justo, equitativo, que não é caso; se o processo contra ele tinha outras motivações que não a demonstração da verdade, o que é objetivamente o caso; se ele foi impedido de ficar em liberdade…
O que significa dizer que Sergio Moro não é crível, pois ele nega tudo o que senhor acaba de dizer…?
Sim, mas a nossa questão não é a credibilidade do juiz. É a deturpação de um processo contra um indivíduo por considerações políticas.
A extrema direita e determinados empresários já criticam a cidade de Paris. Em meio ao anúncio do título conferido a Lula, Luciano Hang disse que Paris é uma cidade suja, onde as pessoas urinam na rua e decadente. Como o senhor reage a esse tipo de discurso?
Olha, eu deixo esse senhor com sua apreciação e liberdade de tom. O que importa para mim é que a Câmara soberana de Paris decidiu muito democraticamente de conceder tal distinção a Lula porque somos uma cidade onde os direitos humanos foram criados, onde eles foram proclamados em 1848.
Então somos muito ligados aos direitos humanos, às liberdades fundamentais.
Sabemos que quando há um problema de liberdade e de direitos humanos, de violação de direitos ou de liberdade, as pessoas se voltam a Paris. Somos sensíveis a esse papel que temos de colocar Lula sob nossa proteção simbólica.
Lula recebe tal honraria justamente no momento em que seu processo é amplamente questionado e há uma crise diplomática entre Paris e Brasília. Que papel exerce a cidade de Paris nesse contexto?
Temos nossa própria diplomacia. Não nos concertamos com o Ministério das Relações Exteriores antes de conceder o título de cidadão honorário. O único caso em que dialogamos com a diplomacia francesa é quando podem endurecer as condições de detenção ou agravar a situação.
Por enquanto, deliberamos de modo soberano enquanto prefeitura de Paris sem qualquer oposição ou felicitação do Estado francês e da República Francesa. Não conheço a posição da diplomacia francesa sobre essa questão. Mas essa é a posição de Paris.
A posição de Paris sobre Lula se soma à inauguração do jardim Marielle Franco pela prefeitura recentemente, a recepção da ex-presidenta Dilma Rousseff, todas figuras concebidas como aguerridamente opostas ao poder atual. É uma mensagem de oposição da prefeitura de Paris a Jair Bolsonaro e à extrema direita?
Recebemos muitos brasileiros nesse momento em Paris. E há 30 ou 40 anos, recebemos muitas pessoas da América Latina, ora a Argentina, o Uruguai, a Venezuela, a Bolívia… O Chile, evidentemente… Estamos acostumados e felizes com isso.
Nesse momento há muitos brasileiros em Paris que nos explicam que há um processo de confisco democrático em curso no Brasil, uma política de posição muito severa, principalmente contra a minoria sexual, homossexuais, mas não apenas, há minorias étnicas.
Somos sensíveis a essa questão e somos sensíveis ao mundo em que vivemos e a reafirmar nossos valores, de liberdade e igualdade.
Nós os proclamamos para nós mesmos, é claro, mas em todos os lugares onde eles são atacados, e por aqueles que lutam para que eles se estabeleçam. Foi por isso inauguramos o jardim em memória a Marielle Franco.
Foi por isso que recebemos a presidenta Dilma Rousseff e que protegemos Lula da Silva. Não é uma tomada de posição particular sobre o Brasil de 2018 e 2019, mas simplesmente porque estamos diante de um processo de confisco democrático.
Lula recusou o pedido da juíza da Operação Lava Jato de passagem para o regime semiaberto. Se o senhor pudesse dizer uma mensagem a Lula sobre essa questão, o que diria?
Eu não tenho nada a dizer sobre isso. Ninguém pode falar no lugar de um indivíduo em relação à sua inocência e à sua liberdade. Meu compromisso é respeitar Lula da Silva e não de lhe dar o mínimo conselho.
Quero apenas que compreendam que conceder a Lula o título de cidadão honorário não é apenas por Lula. Não é nem contra Jair Bolsonaro que o fazemos. É a denúncia de um processo injusto. E é muito importante compreender isso.
Paris é uma cidade decadente, sujeira para todos os lados, fazem xixi nas ruas e ninguém sabe mais o que fazer e agora pra acabar de vez dão um título para um presidiário que não pode receber o título. É ou não é uma cidade à beira do caos? pic.twitter.com/JQdPoppP2w
— Luciano Hang (@luciano_hang) October 4, 2019