Publicado na DW.
“Olha, eu bem que tomava uma cerveja agora…” É o que Jürgen*, de macacão laranja de gari e robustas botas pretas, diz, ao ser indagado sobre como está sendo este seu dia – que ele passou catando lixo das ruas em torno da estação ferroviária central da cidade de Essen, no estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália.
Empurrando seu carrinho equipado com pegador de lixo, vassoura e dois recipientes quase cheios até a borda, Jürgen está visivelmente orgulhoso do trabalho que fez. “Nada mal, não?”, gaba-se, mostrando quanto lixo coletou na ampla e bastante limpa Praça Willy Brandt.
No entanto, orgulho e contentamento não são suas únicas emoções. De repente, ao expor as razões por que participa do projeto, seus lábios começam a tremer. “Eu só quero fazer algo de bom. Só isso. Você não vai acreditar, mas isso é bem difícil para mim.”
Até três cervejas por jornada de trabalho
Ele é um dos cinco integrantes de um projeto-piloto que visa dar a dependentes do álcool de Essen a oportunidade de se reintegrarem à sociedade, limpando as ruas da cidade. Denominado Pick-Up, ele é organizado pela organização assistencial Suchthilfe Direkt Essen, com o suporte da Agência do Trabalho municipal. Seus participantes recebem um pagamento de 1,25 euro por hora. E cerveja.
A jornada de trabalho de Jürgen dura quatro horas. Os participantes vestem os uniformes às 10h30 da manhã na sede da Suchthilfe, e iniciam a primeira rota, que vai até a hora do almoço. Após a refeição que recebem da organização, percorrem uma segunda rota.
Depois do fim da jornada, eles participam de um encontro na sede, onde recebem sua cerveja – no máximo três frascos por turno, que só podem ser consumidos nas dependências da organização. “A cerveja é distribuída com base nas necessidades individuais dos participantes”, diz uma nota da Suchthilfe Essen. “Nem todos recebem cerveja. Somente os participantes que não são capazes de fazer o trabalho sem ela.”
Baseado em modelo holandês
“O Pick-Up não é apenas uma questão de limpar ruas. Ele não tem nada a ver com a exploração de pessoas. A ideia é permitir aos participantes, que não estão obrigados, contribuir para a sociedade, de uma maneira que normalmente não fariam”, prossegue o a nota do grupo assistencial.
“Não há nenhuma chance de esta palhaçada reduzir o quanto um alcoólatra bebe”, critica a moradora de rua Simone*, que está à toa diante da estação central, enquanto Jürgen e outros dois participantes passam cumprindo suas rotas da tarde. Ela conta que está em Essen há 18 anos, e que neste período a “cena do álcool e das drogas” em torno da estação central vem crescendo continuamente.
“As pessoas que ficam por aqui são viciadas, mas não só em álcool. Muitos de nós somos drogados. Heroína, cocaína, cristal [metanfetamina]: não importa qual droga, você vai encontrar alguém aqui que use”, conta. Segundo ela, o abuso do álcool é uma espécie de denominador comum entre os usuários de drogas da estação de Essen.
Apesar disso, Simone não aprova o novo projeto. “Eu não tenho um trabalho porque não quero ter. Duvido que alguém queira me contratar no meu estado atual. Mas eu vou participar de um esquema de caridade que me paga um euro para eu fazer papel de boba? Consigo mais dinheiro em dez minutos pedindo esmola. E, sinceramente, uma cerveja custa 25 centavos aqui. Eu vou varrer as ruas por três cervejas? Pode esquecer.”
Simone supõe que a motivação do projeto seja muito mais política do que de natureza altruísta. “Não é segredo que os políticos não querem a gente por aqui. Vira e mexe, as autoridades nos obrigam a sair, mesmo quando não estamos fazendo nada de errado. Não é contra a lei beber em público na Alemanha. Ainda não estamos nos Estados Unidos, onde você pode ser preso por fumar cigarro na rua”, diz, zombeteira.
Nem todos os políticos, no entanto, são favoráveis ao polêmico projeto, que foi manchete em vários jornais do mundo ao ser lançado em 8 de outubro.
“Posso imaginar muito bem que o projeto funcionaria, mesmo se o álcool não fosse o principal incentivo”, comenta o porta-voz para assuntos sociais do Partido Social-Democrata (SPD) de Essen, Karl Heinz Endruschat. “A imagem do bêbado de garrafa na mão não é um estereótipo que devemos necessariamente perpetuar para o povo da nossa cidade.”
Obstáculos à integração social
Entre os transeuntes diante da estação central de Essen, a permanente confrontação com o consumo de bebida em público não é exatamente bem-vinda. Quando perguntados se ficavam incomodados, a resposta mais frequente é “sim”, e a queixa principal se refere ao hábito de urinar na rua.
“Cheira mal do lado de fora da estação o tempo todo, quando o vento sopra de lá”, reclama uma senhora, apontando para a escada a uns 50 metros de onde o grupo de Simone se reúne.
No fim do dia, na Praça Willy Brandt, Jürgen está na estação ferroviária com Simone e umas outras 15 pessoas. Agora vestido de jeans e uma jaqueta de couro marrom, ele terminou sua jornada de trabalho. De cerveja na mão, diz: “Vocês pensam que é fácil, não é? Que nós só bebemos o dia todo e ficamos olhando o tempo passar. Bem, quer saber: você está completamente errado, e eu estou feliz por fazer o que estou fazendo.”
Jürgen tampouco se abala por Simone e o resto da gangue serem contra o projeto Pick-Up. “Por que eu deveria me importar com o que eles pensam? Eu sei que estou fazendo algo de bom limpando as ruas. Vou beber de um jeito ou de outro. Pelo menos agora eu tenho algo para me orgulhar, quando o dia termina.
* Os nomes foram trocados.