Embora muito distante da festa da Copa do Mundo masculina, o mundial feminino foi mais celebrado do que nunca, ainda que diante da eliminação da seleção brasileira de futebol feminino (nota: futebol feminino é um termo extremamente controverso, afinal, é o mesmo futebol, só que jogado por mulheres).
O que tem sido cobrado das nossas jogadoras é que entregassem melhores resultados diante de uma dita “maior estrutura” da seleção, isto é, maior investimento no futebol feminino. Pra começo de conversa, isso é uma mentira: ainda que esteja em seu melhor momento da história (porque todos os outros foram inadmissivelmente terríveis), o futebol feminino ainda engatinha no que diz respeito a patrocínio e salários das jogadoras.
O balanço de 2022 da CBF mostra que a seleção dos homens teve um salto de 45% nos investimentos, enquanto a feminina passou por queda de 40%. Há desigualdades também nos salários de jogadores e jogadoras e até na escolha de datas e horários para as partidas.
Ou seja: a estrutura da seleção feminina ainda está a anos luz da masculina.
Para além disso, é bom lembrar que estrutura nao significa resultado: acaso significasse, como disse Fernanda Gentil, a seleção brasileira masculina teria 22 títulos (estamos longe disso e ninguém cobra dos homens resultados sempre perfeitos apenas porque existe investimento no esporte e porque seus salários são altíssimos e ainda muito maiores do que o das mulheres, como ocorre também fora do futebol).
Estrutura é o minimo e não deve ensejar – ao menos não de forma tão ingrata – cobranças exorbitantes de jogadoras que, sim, deram o seu melhor e entregaram resultados até onde lhes foi possível.
A eliminação do Brasil na copa do mundo feminina foi, sim, uma decepção para as jogadoras e torcedoras brasileiras, mas não é, nem de longe, motivo de vergonha.
Para a artilheira Marta, o impacto da eliminação foi ainda maior: com 189 jogos disputados pela seleção, afirmou em entrevista que essa seria sua última copa do mundo. Uma vitória, é claro, seria muito bem-vinda, mas não é mais obrigação das mulheres vencerem do que seria dos homens.
Por que não há tamanha cobrança dos jogadores homens, com muito mais patrocínios e salários muito mais altos? Por quê as mulheres têm obrigação de vencerem sempre, mesmo em desvantagem com relação a esses quesitos?
São questões ainda não respondidas, mas muito relevantes para jogadoras como Marta.
Sua namorada, Carrie Lawrence, lhe prestou uma homenagem através das redes sociais após a eliminação: “Tão orgulhosa de você. Você me inspira muito, meu amor”, escreveu.
O Brasil – sobretudo aqueles homens que estão cobrando resultados da seleção feminina, mesmo sequer torcendo por ela – deveria seguir o exemplo de Lawrence.
Não é porque a seleção foi eliminada que não há motivo de orgulho.
Isso nos leva, aliás, a outra questão importantíssima relacionada à copa feminina: para além dos resultados no futebol, a seleção feminina trouxe resultados fora de campo, como a visibilidade feminina nos esportes – que vem crescendo, mas ainda tem muito o que caminhar – e também, por quê não dizer, a visibilidade lésbica no Brasil.
Naturalizamos – como tem que ser – a homenagem da namorada de Marta graças à sua visibilidade, ao seu talento e ao que sempre entregou ao Brasil, e isso é um serviço prestado a todas as mulheres brasileiras, sobretudo às mulheres lésbicas, e vai muito além do futebol.
Futebol não é só bola rolando: é cultura e objeto de inúmeras reflexões como esta.
Viva Marta e viva a seleção brasileira de futebol feminino!
Assim como Lawrence, nós também estamos orgulhosas de todas vocês.