Uma coisa me intrigou nas palavras de João Roberto Marinho aos senadores do PT num encontro confidencial noticiado pelo DCM.
É quando ele manifesta surpresa quando ouve que a cobertura das Organizações Globo é brutalmente desequilibrada contra o governo.
João, como é conhecido na Globo, é um sujeito afável, um bom ouvidor, como pude testemunhar nos anos em que trabalhei na casa.
Sabe reconhecer seus limites, o que é uma virtude. “Comecei no jornalismo, mas logo me dei conta de que não tinha talento”, me disse ele uma vez. “Fui para a área administrativa.”
É uma coisa rara este tipo de admissão.
Roberto Civita, perto de quem trabalhei anos, jamais reconheceu sua limitação como editor, com efeitos catastróficos para a Veja e para a Abril.
João comanda a área editorial da Globo, e é quem faz a ponte com políticos e empresários.
Ele passa a opinião da casa em reuniões semanais no prédio da Globo no Jardim Botânico, no Rio.
Dela participam os chefes das diversas mídias da casa. Numa ata, distribuída posteriormente aos participantes, ficam registradas as diretrizes sobre os assuntos discutidos, em geral os mais complexos da cena política.
Merval e Kamel, cada qual dum lado da mesa em que os editores se reúnem, falam muito, mas quem decide e define tudo, com sua voz baixa e mansa, é João.
Tudo isso posto, e considerado que é um homem inteligente, como João pode alegar surpresa diante da visão de uma Globo sem isenção nenhuma na cobertura política?
Palmério Dória, jornalista que produz máximas sagazes sobre a política e a mídia, arriscou uma resposta nas redes sociais.
João mostrou, segundo ele, que não vê, não lê e não ouve nada em sua empresa.
É uma boa tirada, mas não reflete a realidade.
A primeira coisa que ele lê, pela manhã, é o Globo. E depois segue na Globo, da CBN aos jornais televisivos. Certamente incorporou o G1 à sua rotina de leituras.
Isso quer dizer que ele está a par do conteúdo da Globo.
Como jamais me pareceu um cínico ou mentiroso, a hipótese que me ocorre é a de um descolamento da realidade.
Vi isso acontecer na Abril.
Em certas conversas sobre a Veja, Roberto Civita se defendia de minhas críticas falando de uma revista isenta que só existia na sua imaginação.
Em corporações como a Globo e a Abril, os donos correm o risco de se cercar de pessoas que dizem apenas o que eles querem ouvir.
Não consigo imaginar ninguém, nas reuniões de terças feiras, que fosse capaz de dizer: “João, acho que temos que equilibrar a nossa cobertura. Tamos batendo demais.”
Como, fora das empresas, os donos convivem com bajuladores, eles tendem a ouvir apenas louvações que os levam a ter uma ideia edulcorada do jornalismo praticado por seus editores.
Acredito que João de fato se surpreendeu com o diagnóstico negativo, pesadamente negativo, que ouviu dos senadores do PT.
Ele disse que iria transmitir as impressões imediatamente a seus comandados.
Pelo que soube, os resultados logo apareceram. Numa única edição do JN, me contam, foi dado espaço a Lula e Dilma.
Os editores da Globo não são bobos.
Aquela é uma empresa papista. O papa falou, acabou a discussão. Ou então você é simplesmente descartado. Perenes, ali, apenas os Marinhos.
Por isso, você deve esperar, daqui por diante, uma Globo que pelo menos fingirá alguma isenção.
Dado o descalabro dos últimos meses, será um avanço.