Para que um destino se cumpra, a vida exige seus sacrifícios.
Fato corrente na história da humanidade, os homens e mulheres que mudaram de alguma maneira a forma de se ver o mundo pagaram com a vida sua ousadia.
Talvez a primeira grande vítima de uma justiça parcial e previsível, o grego Sócrates preferiu sucumbir à cicuta a negar seus ensinamentos. Num entardecer, aos pés da Acrópole, um dos pilares da filosofia universal tombava injustiçado pelo medo, pela ignorância e pela cobiça de seus juízes.
Séculos mais tarde, outro revolucionário sentia na carne o gosto amargo dos cravos. Conta as Escrituras que, traído por um dos seus mais próximos discípulos, o homem que não fez outra coisa a não ser pregar a paz, a compreensão e o amor, agonizou até à morte em meio ao júbilo ensandecido de uma multidão.
Por lutar pela independência de seu país, Joana D’Arc, a jovem filha de camponeses, após 20 meses de julgamento, ardeu nas chamas da inquisição acusada de bruxaria.
A lista, como sabem, é interminável.
No Brasil não seria diferente. Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Olga Benário, enfim, todos aqueles que lutaram por um país livre, justo e igualitário foram tachados de criminosos por uma sociedade ainda hoje servil e preconceituosa.
Na esteira da história, cobram de Lula – o primeiro operário a chegar à presidência desse país – o seu quinhão de culpa.
Responsável pela mais bem-sucedida política de combate à pobreza e à miséria que se teve notícia em toda a América Latina, o retirante nordestino que escapou da fome e da seca ousou querer para o seu povo um destino que não fosse de servidão e subserviência.
Ao incluir os pobres pela primeira vez nos interesses do Estado, o torneiro mecânico desmantelou uma estrutura secular de dominação e privilégio que remonta ao Brasil escravocrata.
Esse crime capital em particular não poderia ser perdoado.
Lula passou a ser odiado pela elite desse país que apesar de não ter tido um único privilégio subtraído, não suportou a ideia de ter de compartilhar os “seus” espaços com pessoas cuja posição social até então não as autorizava.
Permitir que negros, mulheres, homossexuais, índios e minorias em geral passassem a ocupar um lugar de destaque e decisão seja nos altos escalões do poder, seja na vida cotidiana de cada brasileiro, caracterizou-se como uma afronta pessoal a cada machista, homofóbico, preconceituoso e elitista de nossa peculiar classe média.
Alimentados com o que de pior pôde ser produzido em matéria de jornalismo irresponsável praticado a exaustão pela grande mídia nacional, uma horda de analfabetos políticos, muitos deles diretamente beneficiados pelas políticas inclusivas de Lula, se autoproclamaram guardiões da moral tupiniquim e partiram para a mais insana defesa de um modelo de nação do qual eles próprios são excluídos.
Deposta ilegal e violentamente sua sucessora, a possibilidade real de Lula voltar ao poder fez com que todo e qualquer resquício da mínima aparência de normalidade institucional que tentaram manter fosse dado às favas.
A cada pesquisa divulgada de intenção de voto, mais urgente se mostra a “solução final”. Lula não pode, em hipótese alguma, ser candidato.
Os inquisidores modernos foram acionados. Danem-se as aparências, acelerem os processos, atropelem os ritos normais, forjem atalhos. Lula não pode ser candidato.
A fogueira já tem data para ser acesa. No dia 24 de janeiro de 2018, os torquemadas da era moderna iniciarão o mesmo processo que já foi de Sócrates, de Cristo, de Joana.
Não estarão julgando um crime propriamente dito, estarão julgando um homem. Mais do que isso, estarão julgando uma ideia, uma afronta ao establishment, uma desobediência ao estado “natural” das coisas.
Forjado por uma vida inteira de privações e necessidades, Lula faz exatamente o que se espera de um homem como ele: luta incansavelmente com as forças de um sertanejo que não admite ser injustiçado.
Lula sabe que não precisa mais da presidência da República para sua biografia. Duas vezes eleito e dono da maior aprovação que um presidente já teve em toda a história desse país, ele já entrou para a história. Lula precisa mesmo da presidência da República é para dá-la novamente ao povo brasileiro.
O resultado do seu julgamento já está dado. A justiça não estará presente no momento de seu pronunciamento. Não esteve em nenhum momento do processo. A única possibilidade de reversão seria uma brutal mobilização dos movimentos progressistas nas ruas a partir de já.
À parte tudo isso, a condenação de Lula por um Tribunal de Exceção servirá apenas para consagrar a história de um homem que dedicou a sua vida a uma causa improvável: um Brasil para todos.