Publicado originalmente no blog do autor
As pandemias são surpreendentes. Bolsonaro está contribuindo para o debate sobre as frases históricas que foram ou não foram ditas por alguém. É a nova discussão, com ares acadêmicos, em tempo de peste e loucuradas.
“Eu sou a Constituição”, disse Bolsonaro ontem, e surgiram vários estudiosos dizendo que Bolsonaro estava plagiando Luis XIV, que teria afirmado: “Eu sou o Estado”.
E Luis XIV talvez tenha copiado alguém, mas quem? O certo é que grandes frases foram produzidas por produtores de frases, muito antes do marketing político.
Há frases de Maria Antonieta (dos brioches), de Dom Pedro I (eu fico), de Getúlio (eu voltarei) – essa última seria de Samuel Wainer.
Quando os Sete Povos foram atacados por portugueses e espanhóis, Sepé Tiaraju teria alertado: “Essa terra tem dono”.
Os tradicionalistas se apropriaram da frase, que é a mais repetida expressão de gauchismo. Toda vez que o Rio Grande está mal, alguém imita Sepé.
E a frase talvez seja apenas a mais perene obra do historiador Walter Spalding. Ele teria produzido uma declaração póstuma para Sepé, inspirado em outras frases, como essa atribuída a Luís XIV.
O que importa é que as frases ficam, porque uma lenda pode valer mais do que o fato (outra frase).
Uma celebridade muitas vezes se resume, com o tempo, a apenas uma declaração de efeito com ou sem sentido.
Muitas frases são apenas frases, sem significado algum. Como essa agora de Bolsonaro, que será lembrada como a mais grave ofensa à memória de Ulysses Guimarães.
Bolsonaro é um adorador de ditadores e torturadores. Um bronco que não pode ter a pretensão de ser a Constituição, porque não é nem arremedo de lei ordinária, ou da mais ordinária das leis.
Bolsonaro é um sujeito a caminho da condenação política, se a Constituição for de fato respeitada. A Constituição vai destruir Bolsonaro.
Corre em Brasília que a frase dita ontem não é dele, mas de alguém que cuidava do ponto e assoprava no ouvido do homem o que ele deveria dizer. A frase deve ser do Carluxo.
Como estavam tratando de golpe, Carluxo deve ter assoprado a frase que Bolsonaro escutou mal e errou ao repetir. A frase certa seria esta: “Eu sou a conspiração”.
Em uma versão mais próxima da realidade, poderia ter dito: “Eu sou a destruição”.