A Copa do Mundo é um evento político, para o bem e para o mal. E, em si, não há nada errado nisso. Resta lutar para que a Copa seja usada para causas nobres, mesmo admitindo a subjetividade do conceito de nobreza.
Clamar por uma suposta e idealizada “pureza” do jogo e dos jogadores, dizer que o que interessa é apenas o que acontece dentro das quatro linhas, é ir contra os fatos – até porque política acontece até mesmo no gramado, durante os 90 minutos de jogo.
Melhor aceitar que a Copa sempre será usada para promover agendas alheias ao futebol – como ocorre em tantas atividades sociais.
Todos os envolvidos sabem que a Copa é política – cartolas, jornalistas, treinadores e até os “inocentes” jogadores.
Domagoj Vida, zagueiro da Croácia que jogou cinco anos no Dínamo de Kiev, da Ucrânia, usou a vitória de seu time contra a Rússia para defender a causa ucraniana, que teve parte do território ocupada pelo vizinho.
Xherdan Shaqiri, atacante suíço nascido no Kosovo, aproveitou seu gol contra a Sérvia para provocar a torcida rival – os sérvios se recusam a reconhecer a independência kosovar.
Podemos, então, tratar os jogadores como inocentes vítimas da instrumentalização política da Copa?
Vida e Shaqiri escaparam de punições mais severas da FIFA. Afinal de contas, que moral teria a FIFA para sancionar quem quer que fosse, se ela mesma deu de presente a Vladimir Putin uma plataforma para apresentar seu país ao mundo sob uma luz mais favorável?
A FIFA proíbe mensagens políticas nos estádios, mas a própria Copa do Mundo é uma mensagem política.
A Copa foi uma ótima ferramenta de propaganda para Putin. Até o tempo ajudou – o verão foi quente durante quase todo o torneio, salvo por alguns dias de chuva ao final da primeira fase.
A organização foi de fato impecável: o transporte público funcionou, os torcedores de outros países viajaram de graça nos trens entre as cidades-sede – um senhor subsídio, considerando que uma passagem Moscou-São Petersburgo de ida e volta custa o equivalente a R$ 250 – e a segurança foi unanimemente elogiada.
Não houve coro xingando Putin no estádio, como os brasileiros fizeram grosseiramente com Dilma Rousseff em 2014. Não houve cambistas presos, não houve protestos políticos. Um verdadeiro triunfo para o líder russo.
Como consolo para quem se opõe a Putin e seu regime, resta a certeza de que o êxito do evento não fará as acusações contra ele desaparecerem. Servirá, no máximo, como uma trégua.
Logo o Mundial será esquecido. Foi assim em todas as Copas. E a FIFA sabe muito bem disso, e joga o jogo.
Na entrevista coletiva de balanço final da Copa, o presidente da FIFA, o suíço-italiano Gianni Infantino, entrou no auditório sorridente, vestindo um agasalho de voluntário.
Só demonstrou alguma irritação quando um repórter da BBC apontou a contradição entre a remuneração milionária que todos ganham na Copa – jogadores, treinadores e cartolas –, menos, justamente, os voluntários.
– Você também (ganha) – retrucou.
Respondendo fluentemente em quatro idiomas– inglês, espanhol, francês e alemão –, Infantino driblou com charme as raras perguntas incômodas.
Uma dessas perguntas lembrou o histórico de Putin: invasão da Crimeia, prisão de adversários políticos, acusações de interferência em eleições de outros países e de doping sistemático dos atletas russos.
O presidente da FIFA respondeu com um discurso cheio de boas intenções, disse que “há muitas coisas no mundo que gostaríamos de mudar”, mas não fez referência específica a nenhuma que ele mesmo queira transformar, com o poder de que a FIFA dispõe.
Não quis ofender seu anfitrião.
Infantino disse que a Copa da Rússia foi “a melhor de todos os tempos”, elogiou Vladimir Putin e garantiu que a FIFA continuará apoiando o país-sede da Copa.
Tudo isto foi visto há quatro anos, com outros personagens – Sepp Blatter e Jérôme Valcke, que do Mundial do Brasil para cá foram banidos da FIFA, envolvidos em escândalos de corrupção –, e deu no que deu.
A FIFA foi embora e deixou um legado previsível de elefantes brancos. Tudo isto já foi esquecido e o circo da Copa, amanhã, começa a ser desmontado para ser erguido dentro de quatro anos em seu próximo e bilionário destino, o Catar.
No futuro, só se lembrará daquilo que aconteceu no campo, dos lances inesquecíveis da final entre franceses e croatas, e as motivações políticas ficarão em segundo plano.
Pode-se torcer pela França para que seu time multirracial simbolize o triunfo da integração dos imigrantes. Pode-se torcer contra a Croácia por conta das veleidades neofascistas de parte de seus torcedores.
Há certo simplismo nessas generalizações. Seria o mesmo que torcer contra a seleção brasileira apenas porque os torcedores ricos que foram à Rússia simpatizam com Bolsonaro ou com a intervenção militar.
Cada um torce a favor e contra, por quem quiser, pelos motivos que bem entende.
Só não se deve ser ingênuo e sonhar como uma Copa sem ideologia. Porque até ser contra a politização do esporte é uma forma de ideologia.