Por Aldo Fornazieri
A CPI da Covid deu vida a uma oposição efetiva contra Bolsonaro. O que existia antes da CPI eram tentativas desordenadas, dispersas e em sem rumos de oposição. Com a CPI, pela primeira vez, Bolsonaro, desde o início de seu governo, entrou numa situação de defensiva política.
O que a CPI fez foi amplificar para a sociedade toda aquilo que apenas alguns nichos da opinião pública sabiam a respeito da atuação criminosa do governo em relação à pandemia. O que a CPI evidenciou é que não se tratam apenas de erros ou omissões. O que se trata é que o governo agiu deliberadamente contra a saúde da população ao não comprar vacinas no tempo certo, ao promover uma política de contágio, ao difundir de forma consciente o uso de remédios que sabidamente não têm efeito no enfrentamento do vírus e ao sabotar uma série de outras medidas que poderiam atenuar os efeitos da pandemia e ter evitado mortes.
Além de dar visibilidade, a CPI está dando coerência e consistência aos fatos e está reconstruindo a cronologia das ações criminosas do governo. Se já existia uma indignação contra o governo, a CPI a fomenta ainda mais. Esta indignação vem se transformando em movimento com os crescentes panelaços e, principalmente, com os atos de 29 de maio, convocados pelos movimentos populares. Parece haver uma relação entre as ações da CPI e a potência que os atos adquiriram.
Que Bolsonaro vem cometendo uma sucessão de crimes de responsabilidade, não resta dúvidas. Que há motivos de sobra para abrir um processo de impeachment, também não resta dúvida. Mas o impeachment enfrenta alguns problemas: 1) é preciso que os partidos, principalmente de esquerda, se decidam efetivamente em apostar no caminho do impedimento; 2) para isso, é preciso incrementar uma intensidade e uma amplitude maiores às mobilizações, com o engajamento dos sindicatos e dos partidos na organização e convocação das manifestações; 3) é preciso construir uma frente democrática com setores que não são de esquerda para que possam ser abrigados e acolhidos nas mobilizações e manifestações contra o governo.
Neste momento, os partidos precisam dar mais atenção à defesa da democracia, sabendo separar este processo da construção da agenda das eleições de 2022. O fato é que existe uma questão democrática no Brasil posta pela vontade golpista de Bolsonaro e do bolsonarismo. Bolsonaro só não deu um golpe porque não tem força para tanto, mas age para construir esta possibilidade.
Quanto mais na defensiva Bolsonaro ficar, mais apostará na radicalização. Como não tem apoio da cúpula das Forças Armadas para dar o golpe, aposta na divisão dos militares, principalmente do exército. A demissão dos comandantes e a proteção a Pazuello têm esse claro objetivo divisionista. Mas é equivocada a análise de determinados setores, segundo a qual a não punição de Pazuello significa uma adesão do alto comando do exército à agenda golpista de Bolsonaro.
Além da divisão dos militares, Bolsonaro aposta em bolsões das polícias militares, nos milicianos, nas milícias ruralistas e em outros grupos criminosos para tentar o golpe. Se esta tentativa de golpe vier, o mais provável é que venha no bojo ou de um eventual processo de impeachment ou no contexto de uma derrota eleitoral.
Na medida em que existe uma questão democrática, as forças democráticas precisam se unir em torno de dois movimentos: o da CPI, onde parece já haver uma unidade, e o das mobilizações, onde ainda não há uma unidade e nem mesmo um engajamento total das forças de esquerda e dos movimentos sociais. O movimento sindical, por exemplo, sequer chamou os atos do dia 29. É a unidade em torno desses dois processos que poderá conduzir ao impeachment.
Na hipótese de não se conseguir construir as condições suficientes para o impeachment, certamente surgirão várias candidaturas presidenciais para 2022. A responsabilidade primeira dessas candidaturas consiste em construir um acordo de procedimentos e um compromisso de apoio mútuo contra Bolsonaro se ele conseguir passar para o segundo turno.
Em 2018, as esquerdas tinham consciência dos riscos que representava Bolsonaro. Certamente, a maioria dos eleitores de esquerda votaria em um candidato de centro-esquerda ou de centro se Haddad não tivesse ido para o segundo turno. Mas esta consciência esteve ausente em estores de centro-esquerda, a exemplo de Ciro Gomes, ou em setores de centro e centro-direita que se abstiveram ou apoiaram Bolsonaro. O povo brasileiro paga um preço doloroso e trágico por este equívoco, que não é só um equívoco, mas uma falta de compromisso com a democracia.
A construção da Frente Democrática contra Bolsonaro precisa se estruturar a partir de uma plataforma concisa e centrada. Além do “Fora Bolsonaro” e de “Vacina para todos”, é preciso incorporar o tema da inflação e da perda de renda e do desemprego e da fome. A inflação de alimentos e da perda de renda é o problema que atinge o maior número de brasileiros hoje. O tema vem merecendo pouca atenção das esquerdas e dos movimentos sociais. Trata-se de um tema que pode aplicar e aprofundar o desgaste do governo Bolsonaro, pois ele se prolongará para além da falta de vacinas e persistirá em 2022. Da mesma forma, o tema do desemprego não será superado, mesmo que ocorra uma retomada do crescimento econômico.
As forças democráticas e de esquerda precisam também mudar de atitude na abordagem de uma possível tentativa de golpe de Bolsonaro. Os tons que alguns analistas e políticos usam são invariavelmente de temor, quase que de covardia. A maneira correta de enfrentar este problema consiste em afirmar que qualquer tentativa de golpe será derrotada. É preciso deixar claro que os golpistas não serão perdoados e nem anistiados desta vez.
As insinuações golpistas de Bolsonaro visam exatamente criar medo e defensivismo político nas oposições. As forças democráticas e de esquerda precisam gerar um movimento contrário, desencorajando o golpe pela resistência do povo e pela aplicação da lei e punição dos golpistas, com julgamentos e prisões.