Um vídeo circula intensamente pela internet. Nele, o desembargador José Renato Nalini defende numa entrevista à TV Cultura a aprovação de R$ 1 bilhão em “auxílio-moradia” para os juízes .
Nalini acaba de ser nomeado secretário da Educação por Alckmin.
Disse ele: “Esse auxílio-moradia na verdade disfarça um aumento do subsídio que está defasado há muito tempo. Hoje, aparentemente o juiz brasileiro ganha bem, mas ele tem 27% de desconto de Imposto de Renda, ele tem de pagar plano de saúde, ele tem de comprar terno, não dá para ir toda hora a Miami comprar terno, que cada dia da semana ele tem que usar um terno diferente, ele tem que usar uma camisa razoável, um sapato decente, ele tem que ter um carro”.
Não foi tudo.
“Espera-se que a Justiça, que personifica uma expressão da soberania, tem que estar apresentável. E há muito tempo não há o reajuste do subsídio. Então o auxílio-moradia foi um disfarce para aumentar um pouquinho. E até para fazer com que o juiz fique um pouquinho mais animado, não tenha tanta depressão, tanta síndrome de pânico, tanto AVC etc.”
É tamanho o descaro na defesa de mamatas e privilégios que não surpreende que o vídeo tenha viralizado nas redes sociais.
Como funcionam as coisas numa sociedade menos iníqua?
Pouco tempo atrás, a jornalista e escritora Claudia Wallin, brasileira residente na Suécia, escreveu um texto para o DCM sobre a vida de um juiz sueco.
Você lê o artigo de Claudia, confronta com a realidade nacional e tem duas opções: ou ri ou chora da miséria humana de Nalini e, por extensão, do Poder Judiciário nacional. A escolha é sua.
Um trecho:
Qualquer democracia consequente sabe dos perigos que o descrédito da justiça acarreta – e por isso os evita.
Tome-se, por exemplo, a Suécia.
Em nenhuma instância do Judiciário sueco, magistrados têm direito a carro oficial e motorista pago com o dinheiro do contribuinte. Sem auxílio-aluguel e nem apartamento funcional, todos pagam do próprio bolso por seus custos de moradia.
Para viver em um país que tem um dos mais altos impostos do mundo, e um dos custos de vida mais elevados do planeta, os juízes suecos têm salários que variam entre 50 e 100 mil coroas suecas – o equivalente a cerca de R$ 16,5 mil e R$ 33 mil, respectivamente.
Para ficar no exemplo dos vencimentos máximos de um magistrado sueco: descontados os impostos, um juiz da Suprema Corte da Suécia, que tem um salário de 100 mil coroas, recebe em valores líquidos o equivalente a cerca de R$ 18,2 mil por mês.
No Brasil, um juiz federal recebe salário de 25,2 mil, e os ministros do STF – que ganham atualmente 29,4 mil – aprovaram proposta para aumentar os próprios salários para 35,9 mil. Isso sem contabilizar os diferentes benefícios e gratificações extras disponíveis para as diferentes categorias do Judiciário: no tribunal do Rio de Janeiro – por exemplo-, entre proventos e benefícios, há juízes recebendo 150 mil mensais.
Na Suécia, não se oferece qualquer tipo de benefício extra a magistrados. Auxílios de todo tipo, abonos, prêmios e verbas de representação não existem para juízes suecos. Nenhum magistrado tem direito a plano de saúde privado. E todos sabem que um juiz, por dever moral, não aceita presentes ou convites para viagens, jantares e passeios de jatinho.
Também não há Excelências entre os magistrados suecos. Assim me lembra Göran Lambertz, juiz do Supremo Tribunal da Suécia, quando pergunto a ele sobre suas impressões acerca dos recentes benefícios reivindicados pela Corte brasileira.
”Claudia, mais uma vez peço a você que me chame de Göran. Estamos na Suécia”, ele diz, quando o chamo mais uma vez de ”Sr. Lambertz”. E prossegue:
”É realmente inacreditável saber que juízes se empenham na busca de tais privilégios. Nós, juízes, somos pagos com o dinheiro dos impostos do contribuinte, e temos que ser responsáveis. Juízes devem ser elementos exemplares em uma sociedade, porque é deles que depende a ordem em um país. E é particularmente importante que não sejam gananciosos.”
Na concepção do sueco, buscar benefícios como auxílio-moradia é uma atitude ”terrível e perigosa”, pois faz com que o cidadão perca o respeito por seus juízes. Com graves consequências para toda a sociedade:
”O Judiciário de um país deve ter o respeito inabalável dos cidadãos”, alerta Lambertz. ”Porque uma das consequências da perda de respeito do cidadão pelos juízes, é que as pessoas também acabam perdendo o respeito pela lei.”
Göran Lambertz faz o que diz: todos os dias, pega a bicicleta e pedala até a estação ferroviária da cidade de Uppsala, a cerca de 70 quilômetros da capital. De lá, toma o trem para o trabalho na Suprema Corte sueca.
A casa do juiz, que já tive a oportunidade de conhecer, é confortável, mas surpreendentemente modesta. Na ocasião, enquanto Göran fazia o café na cozinha, perguntei se ele tinha direito a benefícios como auxílio-alimentação. A resposta foi cortante:
”Não almoço à custa do dinheiro do contribuinte”.
De lá, seguimos – ele de bicicleta e trem, eu de carro – para seu pequeno gabinete na Suprema Corte da Suécia. Não há secretária na porta, nem assistentes particulares. Os 16 integrantes da Corte dividem entre si uma equipe de cerca de 30 assistentes jurídicos, e 13 auxiliares administrativos.
”Luxo pago com o dinheiro do contribuinte é imoral e antiético”, me disse na época o magistrado sueco, em reportagem que foi exibida na TV Bandeirantes.