A MAIOR RAZÃO pela qual a direita é pouco popular no Brasil é que faltam bons articulistas de direita. Gente que persuada, convença, encante.
Nos últimos 50 anos, o Brasil teve dois grandes propagadores do pensamento de direita, ou liberal, um sistema de idéias em que o deus se chama mercado e o diabo é conhecido como Estado. O primeiro foi Roberto Campos, um estilista notável, um prosador irreverente em cujos artigos apareciam epígrafes com sábios que ele mesmo inventava. Roberto Campos, ou Bob Fields, como o chamava a esquerda, se não criou, popularizou apelidos memoráveis para as estatais. A Petrossauro era sua vítima predileta. Recomendo a leitura de A Lanterna na Popa, de Roberto Campos, um passeio divertido e instrutivo, ainda que enviesado, pela história recente do Brasil.
O segundo pensador de direita influente foi Mário Henrique Simonsen, um intelectual refinado, bem mais sisudo que Roberto Campos. Simonsen, se não tinha a verve de Roberto Campos, compensava isso com um conhecimento incomum de economia e uma versatilidade intelectual que o fazia ir do xadrez à ópera e no meio do percurso passar pela alta matemática.
Foi Roberto Campos, como principal ministro econômico no primeiro governo depois do golpe militar de 1964, quem deu o passo fundamental para a modernização do capitalismo no Brasil ao substiuir a estabilidade no trabalho depois de dez anos pelo FGTS. Mulherengo, foi esfaqueado em frente de seu apartamento no centro de São Paulo numa luta amorosa com uma namorada explosiva. O comportamento licencioso de Campos acabaria minando seu prestígio na moralista administração militar.
Nos seus últimos anos de vida, sobrou-lhe pouco mais que o espaço de suas colunas nos jornais. Teve tempo de ver suas idéias triunfarem com Margaret Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos. Já estava morto quando as mesmas idéias foram declaradas mortas pelo presidente francês Nicolas Sarkozy depois da crise financeira internacional.
Simonsen surgiu depois de Roberto Campos. Teve atuação destacada no governo Geisel. No começo dos anos 80, advogou uma recessão para conter uma inflação que ameaçava crescer. Foi triturado por Delfim Netto, que prometeu o mesmo crescimento dos anos 1970, a época do chamado “Milagre Brasileiro”, em que ele fora o czar da economia. A promessa inconsequente de Delfim levou a um ciclo delirante de inflação que só cederia no Plano Real, na década de 1990. Com Geisel de fora, substituído por João Figueiredo, o presidente que preferia cheiro de cavalo a cheiro de gente, Simonsen não teve retaguarda para enfrentar Delfim na luta pelo poder na economia.
Afastado, continuou a defender suas idéias nas salas de aula — era um grande professor — e nas páginas da Exame, da qual foi um colunista extraordinário. Sempre tão pronto a criticar os outros, Serra me disse sorrindo uma vez na Cultura, quando fui entrevistá-lo num Roda Viva, que Simonsen era sua primeira leitura na Exame.
Guilherme Barros, chefe da sucursal da Exame no Rio, era próximo de Simonsen. Guilherme, o Jovem Gui, como eu o chamava, agendava regularmente para mim encontros com Simonsen no Rio que ele amava como poucos. Almoçávamos no seu restaurante predileto, o Antiquarius. Simonsen se sentava sempre com a cadeira voltada para a parede, para não ser importunado.
Lembro vividamente pequenas confidências e observações de Simonsen. Ele dizia que não havia vôos bons ou ruins, apenas vôos que chegavam ou não chegavam. Jamais falou mal de sua nêmesis, Delfim, e nem pareceu satisfeito com o fracasso dele expressa numa inflação que acabaria por devorar o próprio Delfim.
Quando ficou doente, sua mente matemática calculou em 800 000 o número de cigarros que o levaram a enfrentar simultaneamente um câncer no pulmão e um enfizema. Fumara três maços todo dia durante 35 anos. Ouvi Simonsen falar, ironicamente, dos bons samaritanos que nos aeroportos se ofereciam para empurrar o carrinho em que levava as malas sem notar que era neles que o doente se apoiava.
Simonsen e Roberto Campos, lamentavelmente, não encontraram sucessores na difusão do pensamento de direita.
Nos últimos anos, o direitismo tem sido pregado pelo que Friedrich von Hayek, o grande economista austríaco, chamava de “mercadores de idéias de segunda mão”, gente que não formula e sim repete teses alheias, em geral berrando. Paulo Francis, primeiro, e mais recentemente colunistas como Arnaldo Jabor e Diogo Mainardi acabaram fazendo mais mal que bem à causa que defendem pelo excesso de barulho e falta de substância de seus artigos. Outro articulista de direita, Ali Kamel, do Globo, não grita, mas fala tão baixo sem sair do tom que traz sono e não convencimento.
Um pensamento articulado de direita é importante para o Brasil, até pelo contraste que traz ao domínio de idéias esquerdistas nas quais conceitos como lucro são erradamente satanizados. Uma direita boa melhora até a esquerda.
Roberto Campos e Simonsen fazem muita falta.