Há uma injustiça básica numa batalha legal que envolva o diretor de telejornalismo da Globo e um blogueiro.
É o milhão contra o tostão.
Todas as circunstâncias estão a favor do grandalhão. É muito mais fácil um juiz decidir pelo homem da Globo, a despeito do mérito do caso.
Quem quer desagradar a Globo? Que juiz não tem receio de retaliações? E para quem é mais fácil contratar o melhor advogado da praça?
É uma situação extraordinariamente desigual.
Tudo isto posto, toda a minha simpatia vai, naturalmente, para Miguel do Rosário, do Cafezinho, no embate jurídico ao qual foi forçado por Ali Kamel, da Globo.
Claro que Kamel tem o direito de se defender caso se sinta ofendido na honra. Mas “sacripanta”, como Rosário chamou Kamel, é tão ofensivo assim?
O melhor sinônimo para sacripanta é hipócrita. Isso justifica a ira de Kamel?
Há um problema na Justiça brasileira que é o comportamento diante de casos de mídia. Reina uma completa incoerência nas sentenças.
Rosário foi condenado a pagar 20 000 reais – coloque aí mais 10 000 em despesas legais – pelo “sacripanta”. (Rosário foi obrigado a fazer uma vaquinha para pagar a conta. Quem quiser contribuir, clique aqui.)
Augusto Nunes, da Veja, foi absolvido depois de chamar Collor de bandido, chefe de bando e coisas do gênero.
Não adiantou Collor haver colocado, na ação que moveu, que fora absolvido pelo mesmo STF que Nunes e outros colunistas conservadores tanto adularam no Mensalão.
Por que Rosário foi condenado e Nunes absolvido? Será simples coincidência que os dois processos tenham sido vencidos por altos funcionários das grandes companhias de mídia?
Num mundo menos imperfeito, todos seriam iguais perante a lei. Mas no Brasil, lamentavelmente, Ali Kamel é mais igual que Miguel do Rosário.
No terreno puramente jornalístico, há uma situação curiosa.
Mesmo com toda a modéstia dos recursos do seu blog, Rosário fez mais que Kamel com todo o poder que a Globo lhe dá.
A revelação, pelo Cafezinho, da sonegação da Globo na Copa de 2002 vale mais que tudo que Kamel tenha escrito ou editado em toda a sua carreira.
O furo do Cafezinho mostrou a alma “sacripanta” – para usar o adjetivo de Rosário – não apenas da Globo como da mídia brasileira.
À delinquência da Globo se somou a abjeta covardia de jornais, revistas e colunistas.
A Folha, sem dar nenhuma explicação, fugiu do assunto depois de dar uma nota. Jamais sua ombudsman tocou no assunto, o que mostra também os estreitos limites da crítica interna.
Tenho para mim que, no futuro, quando Kamel e Rosário forem avaliados, o veredito será o seguinte.
Rosário ajudou a sociedade a entender o espírito da mídia. E Kamel foi aquele que escreveu um livro para provar que o Brasil não é racista.