A economia favorece a reeleição? Por Paulo Nogueira Batista Jr.

Atualizado em 14 de junho de 2021 às 14:28
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, durante cerimônia no Palácio do Planalto Foto: Evaristo Sá/AFP

Há pouco mais de um mês, publiquei aqui um artigo com título dramático: “Hora de partir para a jugular!” (3 de maio de 2021). Argumentei que Bolsonaro vive seu pior momento, mas pode se recuperar e disputar com grande chance a reeleição. E que cabe, portanto, derrubá-lo agora, na sua fase de maior fraqueza. Desde que o artigo foi publicado, as possibilidades de recuperação do governo ficaram mais evidentes. Já não vejo quase ninguém se animando a dizer, como muitos antes diziam, que o presidente nem chega ao segundo turno das eleições do ano que vem.

Isso é uma pena, claro, mas temos que ser realistas. Quero retomar a discussão hoje, concentrando-me nos aspectos econômicos, sem repetir os argumentos do artigo anterior.

A recuperação da economia brasileira

As evidências vêm-se acumulando de que a economia está tomando impulso, apesar da segunda onda da epidemia. Isso resulta de uma combinação de fatores. Do exterior vem o aumento da demanda externa por exportações brasileiras, liderado pelo rápido crescimento das duas maiores economias do mundo, a dos Estados Unidos e, sobretudo, a da China. Ligado a isso, e em especial à expansão chinesa, temos um ciclo de alta dos preços das commodities exportadas pelo Brasil e, em consequência, melhora pronunciada dos nossos termos de troca. O real depreciado também contribui para o aumento das exportações.

No plano interno, as indicações são de que, com muito custo e sofrimento, as empresas e os indivíduos – mais um exemplo da criatividade que caracteriza o brasileiro – se adaptaram à pandemia, o que também favorece certa recomposição da atividade econômica. Além disso, e a despeito da alta recente da taxa básica de juro administrada pelo Banco Central, a atividade parece responder, com defasagem, à diminuição dos juros iniciada em meados de 2019. Quanto à política fiscal, parece provável que ela acabe sendo, na prática, bem menos restritiva do que anunciava ou desejava a equipe econômica do governo. Pode até ocorrer expansão fiscal na segunda metade do ano. E não se deve descartar que uma avaliação a posteriori da política fiscal, baseada por exemplo na variação do déficit primário ajustado para excluir efeitos cíclicos, venha a indicar neutralidade ou até certo impulso em 2021. Por essas razões e outras, houve reavaliação geral para melhor das previsões de crescimento do PIB neste ano. Já há quem projete 5% ou mais.

Observo, de passagem, que esse crescimento nada tem a ver com as reformas estruturais cantadas em prosa e verso pelo mercado, pela mídia corporativa e pelo ministro Paulo Guedes. Não só porque elas têm avançado relativamente pouco (e ainda bem porque o governo e o Congresso as têm formulado de modo altamente questionável, para dizer o mínimo), mas também porque muitas delas têm impacto duvidoso em termos de reativação. Por exemplo, o “efeito confiança” sobre o investimento privado, via diminuição de juros de longo prazo, é incerto e, na melhor das hipóteses, pequeno, podendo ser neutralizado por efeitos contracionistas sobre a demanda de algumas dessas reformas.

A recuperação não é espetacular

Bem sei, leitor, que a recuperação em curso está longe de espetacular. Ela se concentra, por enquanto, no setor primário exportador (agropecuária e extrativa mineral). Indústria e serviços continuam fracos. A economia apenas voltou ao nível pré-pandemia, que era, recorde-se, um nível deprimido após seis anos de recessão ou crescimento medíocre. Grande parte do crescimento do PIB em 2021 (ano calendário sobre ano calendário) deriva de uma herança estatística e o crescimento ao longo do ano será bem menor do que sugere a taxa interanual. As projeções para o PIB em 2022 ainda são modestas – em torno de 2 a 2,5%, segundo levantamento semanal do Banco Central.

Pode-se questionar se resultados como esses realmente ajudarão o governo do ponto de vista político. Tanto mais que – e esse ponto é crucial – o mercado de trabalho continua desastroso. O desemprego alcançou níveis recordes e os salários reais sofrem com isso e com o efeito corrosivo da alta da inflação, provocada por choques de oferta (câmbio, commodities, energia elétrica). Também não se pode descartar que ocorram novos choques adversos com efeitos sobre PIB, emprego e/ou inflação. Por exemplo, um apagão no fornecimento de energia elétrica. Ou uma terceira onda destrutiva da pandemia.

O adversário tem munição econômica

Apesar disso, é mais realista, acredito, admitir que o quadro econômico geral evoluirá de forma positiva até as eleições de 2022, favorecendo a reeleição do presidente. Feita a ressalva de que previsões em economia estão sempre sujeitas a chuvas e trovoadas, diria que a inflação deve ceder, a expansão da atividade econômica deve provavelmente continuar e pode até ganhar ímpeto, propiciando com alguma defasagem a recuperação do emprego.

Um fator fundamental é o avanço da vacinação, ainda que com atraso verdadeiramente criminoso. Outro – menos comentado –, a expansão do gasto público daqui até a eleição.

Não quero, leitor, espalhar desânimo, mas creio que é preciso reconhecer que o governo terá munição para promover uma política fiscal relativamente flexível e, em especial, a ampliação expressiva do programa Bolsa Família, com forte impacto eleitoral. Essa é uma das razões, como indiquei acima, para rever para cima as projeções de crescimento do PIB. A afirmação talvez surpreenda, uma vez que contraria o discurso dominante no Brasil, inclusive o da equipe econômica do governo, de que “o Brasil está quebrado”, “O Estado faliu”, “precisamos de urgente consolidação fiscal” etc. Acontece que esse discurso alarmista nunca teve fundamento, como eu e outros economistas temos explicado repetidamente nos anos recentes.

Há um fator específico que ajuda o governo. O teto constitucional de gastos é reajustado em termos nominas, a cada ano, pela inflação acumulada em doze meses até junho do ano anterior. O teto para 2022 será corrigido com a inflação no pico. Como será que o governo usará esse espaço? Pergunta ingênua, claro. O ministro Paulo Guedes vem dando a pista em repetidas declarações. Disse, por exemplo, que o PT mereceu ganhar quatro eleições porque fez o Bolsa Família. Disse, também, que admite prorrogar o auxílio emergencial por mais alguns meses como ponte para um novo e ampliado Bolsa Família. Imagine, leitor, o impacto político de um programa de transferência de renda turbinado – e talvez rebatizado para que Bolsonaro possa chamá-lo de seu!

Se houver dificuldades com o teto de gastos ou com algum outro obstáculo legal, alguém duvida que se encontrará um jeito de contorná-los? Na briga entre a luta pela reeleição e eventuais escrúpulos fiscais da equipe econômica ou do mercado financeiro quem será que leva a melhor?

Um apelo ao leitor

Por esses e diversos outros motivos, também de natureza não-econômica e não abordados neste artigo, é que se deve admitir que a barbárie tem chances, sim, de levar a melhor de novo nas eleições presidenciais. Não é à toa que venho dizendo e repetindo: é hora de partir para a jugular!

Admitindo-se que não haja nenhum bolsominion extraviado nesta coluna, posso terminar com um pedido ao meu querido leitor ou leitora? Salvo por motivos realmente extraordinários, não deixe de fazer a sua parte e comparecer à manifestação no dia 19 de junho e às que se seguirão! Não é hora de preguiça e pequenas covardias. Não é hora de ficar em casa, angustiado, protestando nas redes sociais ou se lamuriando com amigos e família. Tome todas as precauções sanitárias e compareça.

E vista preto em sinal de luto pelas quase 500 mil vítimas da Covid-19. Preto, não vermelho. As manifestações – e creio que as lideranças sabem disso – devem ser amplas, transcendendo a esquerda e incluindo todos que se opõem à barbárie.

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Uma versão resumida deste artigo foi publicada na revista “Carta Capital” em 11 de junho de 2021.

O autor é titular da cátedra Celso Furtado do Colégio de Altos Estudos da UFRJ. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, começou a circular em março de 2021.

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