Ao ver a entrevista que Alberto Dines fez com João Roberto Marinho no seu Observatório de Imprensa, me lembrei, rindo, da ira que acometeu, aspas, o Globo quando Lula conversou com blogueiros.
O ponto do Globo é que Lula fizera uma “entrevista camarada”.
Pergunto: será que eles viram a entrevista de seu patrão? Pode haver entrevista mais “camarada”? Ou entrevista “camarada” só é um problema quando um inimigo a concede?
Não é uma entrevista exatamente nova. Foi feita há alguns meses, mas por algum motivo só agora ela foi assunto na internet.
É um tema complicado para mim. Dines foi um dos meus heróis no começo da carreira, o pioneiro da crítica da mídia no Brasil com seu Jornal dos Jornais aos domingos na Folha, na década de 1970.
Vi a entrevista inteira. Com dificuldade. Primeiro desisti, depois da apresentação bajuladora e dos sorrisos servis de Dines. (Lição número 1 de entrevista: não ria. Não aquiesça com a cabeça a cada resposta. Seja altivo.)
Depois decidi ir adiante, por motivos profissionais.
É, provavelmente, a pior coisa que Dines fez na carreira.
Dines simplesmente ignorou quanto a ditadura alavancou uma empresa que se resumia a um jornalzinho de segunda linha, O Globo, muito inferior ao Jornal do Brasil e ao Correio da Manhã, os grandes diários do Rio de Janeiro nos anos 1960.
A Globo virou grande ao receber, dos generais, uma tevê com a finalidade de apoiar a ditadura.
“Somos os maiores amigos do regime na imprensa”, dizia Roberto Marinho aos poderosos da ditadura quando lhes ia pedir favores e mamatas, conforme está registrado num livro que traz os papeis pessoais de Geisel.
Dines perde também uma chance inestimável de indagar uma coisa de João Roberto quando este se queixa dos “impostos pesados” que recaem sobre as empresas de mídia.
Se são pesados os impostos, como se explica que a família Marinho seja a mais rica do Brasil? Com o dinheiro da geleia de mocotó Colombo, que no passado fez parte dos negócios da família?
Dines serve o tempo todo de escada para João Roberto. Ele ouve, sem retrucar, que o Globo é “pluralista” porque publica articulistas de esquerda.
Pausa para rir.
Faça uma conta. Quantos colunistas conservadores as Organizações Globo têm em suas variadas mídias? Agora conte os colunistas progressitas.
Um para dez?
É a mesma defesa ridícula que a Folha faz de sua “pluralidade”. Para cada dez conservadores, a Folha abria um Saflatle, e isso dá direito a ela de se definir “plural”.
Dines, ao tocar na regulamentação, ouve sorrindo JRM dizer que os Estados Unidos erraram ao não permitir a concentração de mídia.
A entrevista já começa torta. Dines pergunta se a Globo não sente falta de concorrência.
Ora, a Globo é famosa por tentar exterminar de todas as formas a concorrência.
Adolfo Bloch, da Manchete, foi pedir ajuda a Roberto Marinho quando estava perto de quebrar. Depois de uma espera de horas na ante-sala de RM, Bloch foi despedido assim: “Passar bem.”
E quebrou.
Este é o amor à concorrência da Globo. Como você imagina que o Jornal do Brasil foi conduzido à morte depois que a Globo, com a televisão, ficou muito maior?
Agora mesmo, a Globo luta para complicar a vida do Google no Brasil porque é uma ameaça à sua receita publicitária.
Tudo bem, o Google declara o faturamente publicitário em paraísos fiscais, o que é péssimo para o Brasil. Mas e a Globo, que ela tem a dizer no capítulo da sonegação?
Cadê a Darf?
Dines, naturalmente, não fez esta pergunta.
Repito: lembrei o rigor do Globo em relação à “entrevista camarada” de Lula aos blogueiros.
Para o Globo, parece, “entrevista camarada” deve ser mais um monopólio da Globo.