Publicada originalmente no blog do autor
Fiz com Nélida Piñon, em 1978, uma das mais estranhas entrevistas do meu meio século de jornalismo.
A Fidene, que depois se transformaria na Unijuí, realizava anualmente a Semana da Cultura. O professor e escritor Deonísio da Silva coordenava um evento grandioso.
Apareciam em Ijuí os grandes nomes da literatura dos anos 70. E um dia apareceu a bela Nélida. Deonísio tinha prestígio nacional e conseguia convencê-los a ir a uma cidade rodeada de soja por todos os lados.
Nélida tinha, aos 41 anos, esse rosto que está na foto. Uma beleza estranha, forte, com alguma coisa de mulher da floresta e de Paris ao mesmo tempo e um olhar incisivo.
Comecei a entrevista anotando no papel, como sempre fiz, e ela foi falando pausadamente. Falava uma frase, esperava que eu anotasse e emendava a outra frase.
Achei que seria assim apenas no começo. Não foi. Ficamos uma hora conversando. Nélida Piñon falou de literatura e de política, como se ditasse tudo o que queria dizer.
Me lembro que sentamos no meio do restaurante do Hotel Vera Cruz, onde estava parando. Ela, Deonísio da Silva, como anfitrião, e eu.
E assim foi durante uma hora. Em nenhum momento em me atrevi a dizer: pode falar sem parar que eu vou anotando.
Sempre fui bom nisso. Não usava gravador. Sempre usei folhas de papel de ofício grampeadas para tomar nota. Nunca gostei de bloquinhos com folhas pequenas que ficavam cheias com duas dúzias de palavras. Eu era rápido na caneta.
Me lembro da beleza de Nélida, da vivacidade, da voz impositiva, da defesa da literatura brasileira, que estava num bom momento, da exaltação da democracia e do alerta de que não seguiríamos em frente sem uma anistia (que viria um ano depois).
Eu tinha 25 anos e consumia com voracidade a ficção daquela época. Gostava da escrita dela, em especial por A Casa da Paixão.
Me impressionava com a sua figura e admito que posso ter passado uma certa insegurança diante de uma celebridade da literatura.
Fiz um texto, acho que ficou bom, para o Correio do Povo. Na época, fiquei chateado com aquele ditado, porque ela parecia não confiar na minha caneta.
Hoje, posso dizer que Nélida Piñon me concedeu a única entrevista em que anotei tudo, inclusive suas pausas.