Cientistas franceses fecharam o cerco em torno do farsante Didier Raoult. O jornalista Renan Antunes de Oliveira merecia estar aqui para acompanhar o desfecho desse caso.
Renan era obsessivo com a principal e mais romântica missão do jornalismo: a busca da verdade, onde estiver, por mais ameaçadora, disforme, gasosa e inatingível que possa parecer.
O repórter gaúcho entrava em infernos em busca do que seria a verdade. Morreu depois de ser submetido a uma mentira, uma das mais cruéis e mortais mentiras desse século 21.
A mentira dos milagres da cloroquina foi usada contra Renan. O jornalista foi uma das primeiras vítimas de uma farsa patrocinada pelo governo Bolsonaro.
Uma mentira que correu solta durante a pandemia, sem nenhum gesto mais forte do Ministério Público.
Foi assim que a verdade buscada pelo jornalismo, afrontada desde o começo do bolsonarismo pelas fake news do gabinete do ódio e dos tios do zap, quase perdeu a guerra na pandemia.
Renan foi uma das perdas humanas do começo dessa guerra. Em abril de 2020, quando a pandemia recém havia sido configurada como tal pela OMS, o jornalista foi diagnosticado com Covid durante uma consulta com sintomas de gripe em Florianópolis.
Antes da confirmação da suspeita, um médico prescreveu a cloroquina, que iniciava suas aparições como remédio milagroso. Renan morreu dias depois, em 19 de abril, de uma parada cardíaca.
Um exame revelaria, um dia antes da sua morte, que ele poderia ter tido gripe, mas não estava com Covid.
Renan morreu aos 71 anos possivelmente pelos efeitos colaterais do remédio envolvido numa pilantragem milionária de laboratórios, Bolsonaro, militares e gangues de vampiros da pandemia.
E agora ficamos sabendo, nesse início de semana, que 16 grandes organizações francesas de pesquisas científicas pediram a condenação de Didier Raoult.
O médico foi o maior propagandista mundial da cloroquina para a Covid, a partir de experimentos fraudados no seu Instituto Hospitalar Universitário de Doenças Infecciosas de Marselha.
Raoult era citado quase todos os dias, na CPI do Genocídio do Senado, como o responsável pelo milagre da alta imunidade de Rancho Queimado.
A cidadezinha catarinense estaria protegida pelo uso massivo de cloroquina e do kit Covid de Bolsonaro, segundo o senador gaúcho Luis Carlos Heinze.
O francês era o guru do senador. Rancho Queimado era o modelo mundial do êxito do farsante.
Até hoje, o médico e os pregadores da cloroquina estão impunes na França, mesmo que o próprio Raoult tenha admitido que seus testes clínicos não provavam nada.
As 16 organizações científicas que pedem a condenação dele observam que a difusão da cloroquina induziu ao erro, à morte e também ao descrédito da ciência.
Renan Antunes de Oliveira não deveria ter tomado cloroquina, porque tinha uma saúde frágil e porque não precisava tomar nada contra Covid.
Mas o Brasil consumiu cloroquina como se consome aspirina. Dos mais de 700 mil mortos brasileiros por Covid, quantos foram vítimas do uso do remédio milagroso?
A condescendência do Conselho Federal de Medicina, a omissão da Anvisa, o distanciamento do Ministério Público, a cumplicidade dos governos estaduais – tudo contribuiu para que a cloroquina fosse distribuída sem controles.
Dos 79 nomes citados no relatório da CPI do Senado, por crimes cometidos na pandemia, muitos estão evolvidos diretamente com a propaganda e/ou a participação na distribuição do Kit Covid, entre os quais empresários que se infiltraram no gabinete paralelo do Ministério da Saúde.
Nenhum foi indiciado até hoje. Os propagandistas e vendedores de cloroquina, os vampiros que ofereciam vacinas inexistentes e os sabotadores da imunização estão impunes.
Os únicos punidos até agora pela Justiça Federal, em primeira instância, por ação do Ministério Público, são um laboratório, uma associação médica e entidades envolvidas em um caso de produção e publicidade do remédio de Bolsonaro.
A Associação Dignidade Médica de Pernambuco (ADM/PE), conhecida como Médicos Pela Vida, a Vitamedic Indústria Farmacêutica, o Centro Educacional Alves Faria (Unialfa) e o Grupo José Alves (GJA Participações) foram condenados este mês a pagar R$ 55 milhões por danos coletivos à saúde pública.
Todos foram considerados cúmplices na divulgação de material de propaganda com os efeitos milagrosos da cloroquina, mesmo que os estudos científicos já indicassem o contrário.
Mas quem mais, além do MP e da Justiça Federal no Rio Grande do Sul, tem outros exemplos de punição a oferecer?
Quem leva a sério a possibilidade de manutenção da condenação de primeira instância e da multa de R$ 55 milhões, considerando-se os precedentes e a lentidão da Justiça?
Renan deveria estar aqui para nos ajudar a perseguir essa resposta.