A filosofia na prática (6.o de uma série) – Spinoza e o eterno espetáculo da miséria humana. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 25 de julho de 2015 às 1:46
“O mundo seria muito melhor se as pessoas tivessem a mesma disposição para ouvir que tem para falar”, Spinoza
“O mundo seria muito melhor se as pessoas tivessem a mesma disposição para ouvir que tem para falar”, Spinoza

São clássicas as palavras de advertência do imperador filósofo Marco Aurélio em suas Meditações: “Previna a você mesmo ao amanhecer: ‘Vou encontrar um intrometido, um ingrato, um insolente, um astucioso, um invejoso, um avaro’.”

Marco Aurélio, que comandou com reconhecida e admirada sabedoria Roma em seu último período de glória, referia-se ao espetáculo eterno da miséria humana. Não há como fugir dela. As pessoas com as quais convivemos enquadram-se, quase sem exceção, na lista de atributos feita por Marco Aurélio.

Os sábios jamais pretenderam eliminar a miséria humana, simplesmente porque é impossível. Mas muitos deles se empenharam em ajudar-nos a lidar com ela.

A atitude oposta de dois pensadores gregos perante o caráter degradado da humanidade serviu de exemplo para reflexões de vários filósofos. Para resumir, um deles, Heráclito, chorava quando via as coisas que aconteciam a seu redor. O outro, Demócrito, ria.

A conclusão a quem chegaram os sábios que refletiram sobre esse contraste foi quase unânime: é melhor fazer como Demócrito. Rir dos absurdos que nos rodeiam, em vez de chorar. Não se lamurie, não se indigne. Ria apenas.

Coube ao holandês Baruch Spinoza (1632 – 1677) estabelecer uma espécie de terceiro caminho. Disse ele: “Nem rir e nem chorar: apenas entender”.

Spinoza nasceu de uma família judia de Portugal. Com a perseguição aos judeus na Inquisição, os Spinozas fugiram para Amsterdã. Einstein disse que ninguém o influenciou tanto quanto Spinoza. Em sua aclamada História da Filosofia Ocidental, o intelectual inglês Bertrand Russell definiu Spinoza como “o mais nobre e mais amável dos grandes filósofos”.

Com isso Russell queria dizer que ele teve uma vida exemplar: nos moldes daquilo que pregava. A maior prova de grandeza de um pensador é exatamente esta: viver na prática como, na teoria, diz aos outros que devem viver.

“O mundo seria muito melhor se as pessoas tivessem a mesma disposição para ouvir que tem para falar”, disse Spinoza.

Ele morreu aos 44 anos, de tuberculose. Não tinha bens materiais. Vivia com simplicidade. E mostrou coragem diante da morte. “No último dia de sua vida, estava inteiramente calmo”, escreveu Russell.

Percebe-se aí a grande afinidade de suas ideias com o estoicismo. Controle as paixões e você terá uma vida serena. Você nem subirá aos céus nos momentos bons e nem descerá aos infernos nos momentos ruins. Quem se deixa levar para euforia desvairada no triunfo está condenado ao abismo na derrota.

Prestemos atenção nisso. Essa é a mensagem.

“O homem sábio dificilmente é perturbado em seu espírito”, disse Spinoza no último parágrafo de sua obra magna, Ética, publicada postumamente. “Embora o caminho que apontei para a sabedoria possa parecer excessivamente difícil, pode ser encontrado. É mesmo árduo. Raramente é achado. Tem que ser assim. Todas as coisas excelentes são tão difíceis como raras”.

A obra e a vida de Spinoza são um estímulo indelével à perseverança, ao esforço tenaz e continuado para ver as coisas menos apaixonadamente. Só assim se pode nem rir e nem chorar diante da miséria humana, mas apenas entender.