Os protestos contra o monopólio da TV Globo nas transmissões de campeonatos como a Libertadores da América estão ganhando força graças à torcida organizada do Corinthians. A Gaviões da Fiel, no dia 2 de março, exibiu faixas na Arena Corinthians mostrando como a emissora torna todos os espectadores “reféns” de sua transmissão. O caricato Galvão Bueno não pode esconder os protestos e comentou resignado que a Globo “é única que transmite [a Libertadores] na televisão aberta”.
Naquele mesmo dia, a Gaviões afirmou por meio de nota de imprensa que foi atacada num estacionamento de um supermercado em frente ao Complexo Judiciário Ministro Mário Guimarães, na Barra Funda. “Embora a imprensa e o próprio promotor Paulo Castilho estejam sugerindo um ataque realizado por outra torcida, desconfiamos de tal hipótese. Os motivos para tal desconfiança não deve ser mistério para ninguém. Assumimos uma declarada guerra ideológica com setores da sociedade que, apoiados no conservadorismo, não estão acostumados com a contestação”, diz a torcida.
Três dias depois, na Vila Belmiro, corinthianos se juntaram aos santistas para mandar o recado direto pra maior emissora brasileira: “o monopólio acabou”. As faixas também protestavam contra a chamada “quadrilha da merenda” que desviou recursos públicos e contra o deputado tucano Fernando Capaz, acusado de encabeçar o roubo da comida das crianças na escola.
Para entender essa politização da Gaviões e sua união com outros times contra a Globo e as falcatruas da CBF e dos cartolas do futebol, o DCM entrevistou vice-presidente da torcida, Rodrigo González Tapia, conhecido como Digão.
Ele relembrou o passado da Gaviões da Fiel contra a ditadura militar, como a mídia oculta as manifestações dele e o que acredita que está errado dentro e fora dos gramados.
Os protestos da Gaviões nos estádios foram uma atitude pensada?
Os Gaviões sempre tiveram uma atuação política dentro e fora das arquibancadas. É assim desde a nossa fundação, em 69. Naquele tempo a gente vivia em plena ditadura militar. Fundamos a torcida e já compramos uma briga interna no clube para derrubar Wadih Helu, que estava no poder do clube desde 1961.
Em 79, abrimos uma faixa na arquibancada pedindo naquele tempo por “anistia ampla, geral e irrestrita” numa partida contra o Santos no Morumbi. Tinha 80 mil pessoas. Abrimos faixa também na arquibancada na campanha pelas Diretas Já e pedimos voto direto para presidente. Seguimos lutando pelo bem do corinthiano e da sociedade até os dias de hoje. Não surgiram do nada os diversos questionamentos e cobranças que a gente externa nas arquibancadas.
Quais fatos motivam vocês hoje?
Muita coisa contribuiu no processo de formação da nossa torcida e, sobretudo, da atual diretoria. A elitização do futebol e criminalização das torcidas organizadas não são de hoje. E desde então acumulamos ações que nem sempre chamam a atenção da mídia como as recentes manifestações. Já estendemos diversas vezes faixas nas arquibancadas protestando sobre valores de ingresso, entre outros assuntos que nos atingem diretamente.
Talvez a novidade é que agora, de fato, criticamos abertamente a Rede Globo e a máfia das merendas, em que o deputado Fernando Capez (PSDB) é um dos principais investigados. Capez, enquanto promotor, perseguiu as torcidas por anos, criminalizou e tentou fechá-las. Esse fato por si só já justificaria nossa revolta e ação.
Mas a nossa conscientização vai além. Estamos nos posicionando assim como fizemos recentemente com o apoio à greve dos professores e outros assuntos que atingem nossos associados diretamente. Nos preocupamos com este assunto na pele dos estudantes ou até como pais na rede pública de ensino.
Apesar da surpresa para alguns setores, nosso engajamento com pautas do futebol e da sociedade não é novidade.
O caso das prisões de figuras da CBF fora do Brasil motivou a mobilização de vocês hoje?
Não, porque o nosso descontentamento com a CBF já vem de muito tempo. O próprio histórico de João Havelange em mais de 20 anos na FIFA e suas crias no futebol brasileiro não são novidades para nós. É claro para todos que a FPF (Federação de Paulista de Futebol) e a CBF tentam impor os seus desejos acima de tudo, sem um diálogo aberto e transparente com todas as partes interessadas e que vivem do futebol.
É assim, por exemplo, que os valores dos ingressos são acertados com a Federação Paulista em um valor mínimo para a cobrança e nunca num máximo. É algo que nos afeta diretamente. O resultado é o povo fora das arquibancadas. Isso a gente combate abertamente. Não dá pra aceitar, por exemplo, você ir no interior do estado e pagar 150 reais pelo ingresso. Lá, no estádio deles, o banheiro feminino é um buraco no chão.
Vocês acham que a mídia em geral criminaliza as torcidas, especialmente as organizadas?
Sim, devido aos diversos incidentes ocorridos com os membros das torcidas pelo país. Ao invés de apurarem os fatos da forma que se deve, procurando as causas, as notícias sempre resultaram na culpa das entidades. Não queremos dizer com isso que o fenômeno da violência que é causado somente pela cobertura da imprensa, mas a postura adotada pelo jornalismo esportivo, principalmente a partir dos anos 90, é de total fuga das responsabilidades.
Eles sempre procuram culpados para problemas como a violência do futebol. As reportagens sensacionalistas, espetacularizadas, criam uma opinião pública que enxerga no torcedor organizado apenas a violência. E isso não é verdade e muito menos a realidade das torcidas. É justamente por isso que alguns setores se surpreendem quando protestamos politicamente, como está acontecendo agora.
Os protestos realizados pelos Gaviões, além da nossa história contra a ditadura, têm como principal denunciado o deputado Fernando Capez que fez carreira em cima da perseguição hipócrita às torcidas organizadas sem resolver a violência. Ele dizia que bastava fechar as torcidas. Capez ganhou notoriedade com o discurso fácil de criminalização das torcidas e agora é o principal alvo do escândalo lamentável da merenda.
A TV Globo é cúmplice na corrupção do futebol?
A Globo está há décadas à frente das negociações que envolvem as competições estaduais e nacional. A exclusividade da transmissão interessa a ela. Eles estabelecem o horário da transmissão de um jogo de acordo com seus interesses comerciais e dentro da grade de programação. Uma emissora que tem esse poder de interferir não pode querer nos fazer acreditar que não conhece as entranhas das negociações.
Um dos pontos do escândalo de corrupção na FIFA é por conta das negociações sobre transmissão da Copa do Mundo. É impressionante. Até mesmo muitos jogadores já questionaram esse calendário imposto pela CBF com apoio e pressão da Globo. Isso obriga os principais jogos a serem às quartas-feiras e domingos.
A Globo é o grupo de comunicação que mais contribui pra criminalização da Gaviões?
Atualmente, temos muitos profissionais na imprensa que contribuem com sua opinião preconceituosa sobre as torcidas. Atribuímos à Globo grande contribuição a esse processo, mas temos a clareza que todos os grandes veículos de comunicação contribuíram para o processo de criminalização das torcidas.
Galvão Bueno disse na última manifestação de vocês que só a Globo transmite a Libertadores na TV aberta. Vocês acham correta a política de distribuição de transmissões?
Precisamos de uma política mais justa para atender a distribuição das transmissões dos jogos, além de dar a oportunidade a outras emissoras de fazê-las também. Acreditamos que a democratização da transmissão beneficiaria a todos, sobretudo os torcedores, que poderiam escolher qual canal assistir.
Não é justo que o morador da Bahia tenha que assistir aos jogos dos times do Rio de Janeiro. Além disso, o principal questionamento que fizemos é sobre o horário das transmissões, que deixam de levar em conta as condições do torcedor e olham apenas os benefícios da emissora. Sobre a audiência e a grade de programação deles o Galvão não fala. Se a transmissão não fosse feita por poucos veículos, seria muito mais fácil o debate com relação ao horário das transmissões. Se a Globo não pudesse transmitir um jogo na terça-feira às 20h, outro veículo faria isso. O que importa pra Gaviões é o torcedor conseguir assistir.
Quais são as reais reclamações de vocês quanto ao preço dos ingressos em estádios?
Falta valor máximo para o ingresso nos estádios. Hoje as federações dão o valor mínimo a ser cobrado, e ele já é alto. Além disso, os clubes, por meio dos programas de fidelidade, aumentaram o valor do ingresso. Está tudo bem acima do que o torcedor pode pagar e aqueles que não fazem parte do programa acabam sendo prejudicados e tendo que arcar com um custo bem alto para ver o seu time no estádio. O setor oeste da Arena Corinthians para não sócio sai por cerca de 120 até 180 reais.
Vocês acham que a falta de destaque da Globo abafou muitas manifestações das torcidas?
Em outros momentos sim. Nas recentes manifestações, não. A falta de destaque da Globo contribuiu para que os concorrentes e os veículos alternativos pautassem ainda mais as nossas manifestações. Com isso, nos aproximamos dos demais torcedores e ganhamos apoio da população para seguirmos com as nossas reivindicações.
A atuação da PM nos estádios inibe a liberdade de expressão da Gaviões?
Eles tentaram nos calar, mas sabemos que os nossos direitos estão garantidos pela Constituição e, por isso, não deixaremos de levar as nossas faixas e soltar a voz nas arquibancadas pelas nossas lutas.
O que vocês pensam sobre as denúncias da mídia com o ex-presidente Lula, que é corinthiano?
A gente prefere não falar sobre isso. Já tentaram partidarizar nossas recentes manifestações, mas temos muito claro quais são nossos objetivos e todos eles estão relacionados de alguma forma a nossa entidade e ao futebol. Não entraremos nessa polarização em torno do debate político que tem até dividido o país. Respeitamos as opiniões individuais dos nossos associados sobre este assunto.