Pego para ler o livro Política, Propina e Futebol, do jornalista Jamil Chade, correspondente do Estadão na Suíça.
É a história da corrupção na Fifa.
Há um trecho particularmente interessante nele para os brasileiros. Trata das propinas “constantes” pagas a Ricardo Teixeira e João Havelange para influenciarem nas decisões sobre que emissora teria o direito de transmitir Copas no Brasil.
O assunto foi objeto de investigação da Justiça suíça.
Diz o livro:
“Uma rede de televisão no Brasil é citada (…) no suborno, ainda que seu nome tenha sido mantido em sigilo no documento público [da Justiça da Suíça], uma vez que o processo não era contra ela.”
Quem transmite Copa no Brasil?
A Globo.
“Para os suíços, o serviço dos dois cartolas teria sido comprado por essa empresa [Globo] (…).”
O dinheiro, segundo a investigação, era depositado em paraísos fiscais.
Pagar propinas para corruptos é tão criminoso quanto recebê-las. Mas a Globo, e aquela é apenas uma pequena história de uma longa folha corrida de transgressões, se acha no direito de fazer sermões em torno de corrupção.
Um detalhe pode ser acrescentado em relação a uma das Copas em que a propina garantiu dezenas, centenas de milhões de reais para a Globo por conta das vendas de cotas de patrocínio.
É a Copa de 2002.
Documentos amplamente divulgados pela mídia realmente livre do Brasil – os sites independentes – mostram que os atos corruptos da Globo não se esgotaram nos subornos.
Para a Receita Federal, a Globo declarou que o dinheiro da compra dos direitos era para fazer negócios no Exterior.
A Receita detectou a fraude e multou pesadamente a Globo. Numa manobra que só acontece quando alguém se sente dono do país, uma funcionária da Receita tentou simplesmente fazer sumir o processo. Com isso, a Globo se livraria da multa e das sanções penais pela fraude.
A funcionária foi flagrada.
Em nenhum momento a imprensa tocou nos dois assuntos: nem nos subornos e nem na fraude e sonegação milionárias.
Cheguei a conversar com Sérgio Dávila, editor executivo da Abril. Conheci-o na Abril. Ele pareceu envergonhado. No dia seguinte, a Folha deu uma nota sobre a sonegação. Depois, o tema desapareceu, para sempre, dos jornais.
Um telefonema de patrão para patrão resolve o que vai ser dado e o que não vai, ainda mais quando eles são sócios, como é o caso dos Frias e dos Marinhos, donos do Valor.
Conto essa história porque já me cansei de ver jornalistas da Globo se comportarem como se trabalhassem não para uma organização corrupta e feita para consumir de todas as formas dinheiro público, mas para a Santa Casa de Misericórdia.
Eles são cegos, surdos e obtusos, ou apenas fingem ser?
Merval, Kamel, Waack, Noblat, Míriam Leitão e tantos outros: eles pensam que enganam todo mundo?
A Globo cresceu graças a “favores especiais” – a expressão é de Roberto Marinho – que pedia aos militares em troca de apoiá-los.
Passada a ditadura, continuou a crescer por conta de alianças como a com FHC: escondo sua amante e você me abre as portas do BNDES e me enche de publicidade estatal.
O mais melancólico é que também nos governos do PT a transferência maciça de recursos do contribuinte para os Marinhos continuou a ocorrer, em nome de imbecilidades como “mídia técnica”.
Com audiências despencando, a Globo nestes anos do PT continuou a levar 500 milhões por ano em propaganda do governo e estatais.
É o absurdo do absurdo, até porque o público da Globo abomina, como ela mesma, qualquer coisa relativa ao governo petista. É anunciar picanha para vegetarianos.
E é esta Globo das Copas conquistadas por subornos e das fraudes grosseiras na Receita Federal que comanda agora a cruzada contra a corrupção.
É tão ridículo, tão patético, tão acintoso quanto ver Eduardo Cunha falar em ética e moral.