Por Tiago Barbosa
A capitulação do participante Lucas Penteado do BBB 21 é, de forma melancólica, o retrato de um Brasil oprimido por intolerância e preconceito.
E revela de modo cabal como o ciclo de crueldade da discriminação prospera se encontra guarida em um ambiente cínico e conivente – o silêncio brutal e encorajador da Rede Globo.
A trajetória de Lucas no programa foi uma via-crúcis psicológica pontuada por ataques cruéis em cuja essência estava a incapacidade de aceitar a fragilidade e a personalidade do brother.
Lucas apanhou por falar muito, por falar pouco. Por ser agressivo, por ser apático. Por sorrir, por ficar calado. Por ser inocente, por ser esperto.
Foi ridicularizado pela felicidade pueril de travar rimas com o ídolo e caricaturizado como “defensor de vagabundo” pela militância dele na vida real.
Levou pancada de pessoas “iguais e diferentes”, de quem se supunha parceiro na busca por uma sociedade menos covarde e racista, mais inclusiva e tolerante.
A rotina de violência – à base de xingamentos, apartheid e deboche – expôs a fratura na solidez de uma luta supostamente travada de forma conjunta por quem sente na pele o racismo.
A edição do BBB com mais representantes negros fica marcada por oprimir e expelir da casa justamente um indivíduo cujos traços de personalidade são alvo constante da opressão racial e social.
Lucas foi chamado de “cara de demônio”, “merda, abusador”, excluído e cerceado no direito à participação e sociabilização – repetição intramuros de uma prática frequente no país onde o negro é rechaçado de ambientes de bonança e poder, enxotado à passagem de serviço, à cozinha e a extensões modernas da senzala de outrora.
O estopim uniu dois preconceitos: o racial e sexual. Lucas teve a bissexualidade questionada após protagonizar beijo com Gilberto. “Quer usar a agenda LGBT”, disse um participante.
A saída do programa é, erroneamente, tomada como um ato voluntário. Mas responde, na verdade, a um sufocamento praticado diariamente.
Lucas não conseguia respirar no BBB. E essa asfixia contou com o beneplácito sórdido da Globo. O BBB é um programa de entretenimento cujo mote é brincar com o limite psicológico de pessoas distintas obrigadas a conviver sob um mesmo teto. Em 2021, tornou-se laboratório do preconceito e da tortura.
A Globo assistiu calada à crescente onda de ataques a Lucas e, como faz em situações de crises cujo cerne contraria seus objetivos, só tentou intervir para controlar a narrativa.
Mais feroz crítica do participante, Karol Conká mudou subitamente de postura após passagem pelo confessionário – a audiência desconfiou de interferência da direção.
E um áudio atribuído a Boninho em circulação após Lucas deixar a casa escancara a complacência da emissora.
Na conversa com Projota, o diretor culpa a vítima pela violência sofrida ao considerá-lo “gremlin (monstro) quando bebe” e se cala quando o músico revela ter guardado uma faca “para se defender”.
A declaração reprisa o discurso violento comumente direcionado a mulheres molestadas após uso de álcool ou adoção de um estilo de vida livre e alheio às amarras machistas.
A postura da emissora mimetizou a opressão fascista das ruas brasileiras contra vulneráveis desumanizados pela cor, classe social ou situação de fragilidade.
A Globo deixou a “mira na cabecinha” para o preconceito e a violência dos participantes dispararem contra Lucas.
Na TV, a tortura lhe tirou o BBB. Aqui fora, tiraria a vida.