A governabilidade do governo Lula no labirinto. Por Jeferson Miola

Atualizado em 31 de maio de 2024 às 16:23
O presidente Lula. Foto Ricardo Stuckert/PR

Por Jeferson Miola

A bancada governista eleita em 2022 pela coalizão de dez partidos [Federação PT/PcdoB/PV, Federação PSOL/REDE, PSB, Avante, Solidariedade, AGIR e PROS] conquistou 120 deputados dentre 513, e ficou com apenas 12 do total de 81 senadores.

Na arrancada do governo, o presidente Lula incluiu na Esplanada dos Ministérios partidos que não integraram a coalizão eleitoral, como o PDT, MDB, PSD, PRD e União Brasil. Juntos, estes partidos possuem 169 deputados e 36 senadores.

No Brasil de até os anos 2014, ainda sob vigência do chamado presidencialismo de coalizão, uma Esplanada com esta abrangência partidária propiciaria a conformação de uma bancada governista majoritária de 289 deputados na Câmara, resultado da soma dos 120 eleitos pela chapa Lula/Alckmin com os 169 eleitos por partidos que passaram a integrar o governo. No Senado, o governo passaria a contar com uma maioria de 48 senadores.

Mas, na vida real, não é assim que funciona.

E então por isso, depois de toda sorte de sabotagens, achaques e extorsões do insaciável Arthur Lira, que já tinha conseguido o recorde de quase 50 bilhões de reais em emendas, Lula aceitou entregar a CEF e abrir o governo para a participação do PP e Republicanos, que juntos estão representados no Congresso com 93 deputados e 10 senadores.

Com tal amplitude, a base de sustentação parlamentar do governo no Congresso passaria a ter, em tese, uma maioria ainda mais confortável:

Número de partidos e federações no Congresso Nacional. Foto: Reprodução

Apesar, entretanto, do aumento de verbas do orçamento e da entrega de 13 ministérios, cargos de segundo escalão e de estatais, o governo continuou tendo reveses no Congresso.

O placar entre 310 e 340 votos –seja a favor ou contra o governo– tem sido corriqueiro em votações de matérias fundamentais.

Este escore para um lado ou outro, a favor ou contra o governo, depende do lado para o qual se alinha o bloco Lira/Centrão – ora se juntando aos 120 deputados da chapa eleita, ora se juntando ao extremismo fascista, liderado pelo PL, do Bolsonaro, que, sozinho, elegeu 99 deputados.

Assim ocorreu nas decisões sobre o marco temporal de áreas indígenas, o decreto presidencial do marco do saneamento, a desoneração da folha e, recentemente, na sessão de horrores do último dia 28 de maio, sobre fake news e o fim das saídas temporárias de presos.

Como mostra o quadro adiante, dos 262 deputados dos partidos aderentes, apenas 29 deles [11%] votaram a favor do governo, enquanto 192 [73%] votaram contra as saídas temporárias de presos, e 197 [75%] votaram a favor da disseminação de mentiras, contribuindo para o placar final de 314 e 317 votos, respectivamente:

Votos de partidos a favor do governo em diferentes pautas. Foto: Reprodução

Devido à inconfiabilidade da relação com o bloco de Lira e Centrão, no início do ano Lula firmou uma aliança informal de governabilidade do Executivo com a Suprema Corte.

Uma aliança, reconheça-se, além de inédita, de caráter defensivo, concebida não para avançar o programa, mas para proteger o governo das investidas do Congresso, em especial da deputadocracia liderada por Arthur Lira para saquear a República.

Os últimos reveses do governo no Congresso reabriram discussões das lideranças sobre articulação política e mudanças ministeriais. É um debate necessário, porém pode produzir diagnósticos enganosos, se restrito a apenas estes dois aspectos da problemática enfrentada.

As derrotas sofridas pelo governo ocorrem no contexto de uma ofensiva política e ideológica da extrema-direita, que continua forte mesmo depois da derrota eleitoral em 2022, e consegue unir todo o bloco direitista, conservador e extremista em torno do ideal de uma contrarrevolução fascista e reacionária.

É duvidosa, portanto, a hipótese de que ampliando os espaços dos partidos de direita na Esplanada, ou simplesmente azeitando a articulação política, esta realidade possa ser revertida.

A situação do governo é desconfortável. Mesmo se decidisse reavaliar a coexistência com Lira e o Centrão, o governo correria o risco de enfrentar um caos terrível se, para isso, decidisse retomar os ministérios, orçamentos e cargos entregues. A casa cairia, simplesmente.

Embora a maioria conservadora no Congresso possa eventualmente reunir votos para o impeachment do Lula, as oligarquias dominantes não mostram preferência por este caminho. Aprenderam, com o golpe contra Dilma, o alto preço da crise de legitimidade do regime.

A inviabilização do governo por meio da sabotagem congressual que impede a concretização do programa eleito tem o poder de desgastar Lula perante milhões de pessoas suscetíveis aos acenos de demagogos fascistas, pois estão impacientes e enfaradas com o mal-estar de décadas de promessas neoliberais descumpridas, e clamam por respostas urgentes e superadoras dos incômodos com o sistema.

A governabilidade do governo Lula está no labirinto. A governabilidade congressual, mesmo contra-arrestada pela aliança atípica com o STF, não garante os necessários avanços programáticos do governo.

O quê fazer neste cenário é o grande desafio posto para o governo e para os partidos progressistas e de esquerda da base de apoio, sobretudo para o PT.

E o ponto de partida deste debate deve ser a preocupação de como concretizar o programa eleito em 2022 no contexto de uma correlação de forças hostil, de florescimento dos fascismos no mundo, de um período histórico de ameaças à democracia e de derrotas do mundo do trabalho.

A ideia de se recuar tanto na disputa do programa de governo como na animação de uma reação popular, não parece ser uma boa receita.

Publicado originalmente no blog do autor

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