Publicado no blog de Gustavo Conde
A paralisação dos caminhoneiros entra em seu quarto dia e faz um estrago que não era esperado nem por eles, caminhoneiros. Aliás, o gatilho desta greve não é a classe ou o sindicato: é um movimento patronal – não são caminhões de frete, mas caminhões de transportadoras.
Até aí, tudo bem. Todos já sabemos das cartas marcadas que grassam pelo Brasil pós golpe. Mas o Imponderável de Almeida (primo do Sobrenatural de Almeida, afilhado do Nelson Rodrigues) resolveu aparecer na cena política nacional de novo. E, dessa vez, ele veio com tudo (com Supremo, com tudo).
Essa paralisação meio fake, meio pelega, é a re-edição dos 20 centavos pré Copa das Confederações: um movimento meio besta que foi aproveitado pela imprensa golpista para exterminar a popularidade do governo Dilma, que já vinha baixa.
A senha para aquele movimento meia-boca virar nacional foi o espancamento de manifestantes na Avenida Paulista pela polícia militar de Geraldo Alckmin. A partir dali, a indignação foi tanta que a classe média sempre acovardada resolveu sair da toca e brincar de depredação de grife (lembram dos playboys tatuados apedrejando as vidraças do Congresso Nacional?).
Semelhanças à parte, a greve dos caminhoneiros não esperava tamanho ‘sucesso’, vamos dizer assim. O que importa aqui – o que é o similar histórico ao ‘espancamento da PM da greve dos caminhoneiros’, estopim para catarse popular em torno de uma causa difusa – é justamente o imponderável: a péssima gestão de crise do governo golpista.
É muito possível dizer que Pedro Parente e Michel Temer tiveram as suas piores perfomances políticas da história. Cometeram todos os erros possíveis que um governo poderia cometer diante de uma greve com ares de dramática.
Temer e Parente turbinaram a greve dos caminhoneiros e agora terão que lidar com essa realidade. A história realmente é uma ingrata, ela volta para buscar a forra, mais cedo ou mais tarde.
Para contribuir na incompetência gerencial, some-se Rodrigo Maia, Eduardo Guardia (quem? Ministro da fazenda) e estafe confessional de Temer. Imagine um Elsinho Mouco aconselhando Temer a como lidar com uma greve de caminhoneiros. Imagine e ria por dentro, por favor.
Essas quatro personagens deram de presente ao país uma convulsão social que dificilmente será arrefecida agora. O soco que Pedro Parente, já demissionário a essa altura do campeonato, deu na gestão da crise foi algo no limite do inacreditável. Manter a política de preços suicida dos combustíveis diante de uma greve claramente complexa e de grandes dimensões foi atitude de rara truculência.
É essa atitude que se traduz no espancamento da PM de 5 anos atrás. Ela desencadeou um processo de revolta que só tende a crescer a partir de agora. Esse governo estava confortável demais nas plagas do toma lá dá cá político-partidário. Não havia ainda enfrentado uma crise com C maiúsculo, cuja lógica não é a da chantagem, mas a do povo, repleta de zonas de irracionalidades e emocionalidades.
O governo tucano-emedebista de Temer não sabe gerenciar essa dimensão do humano, porque eles não lidam com o elemento ‘humano’, propriamente: lidam com números e de maneira técnica obsoleta – a tecnocracia folclórica do PSDB.
Só poderia dar nisso: em quatro dias, desabastecimento nacional, disparada de preços, humores da população no limite e imprensa sem poder prestar a ajuda de praxe – uma vez que é impossível mascarar falta de alimentos no mercado.
É o preço de não se ter quadros gerenciais de qualidade. É o preço de viver em uma bolha de bajuladores que abrem portas e carregam guarda-chuvas. É o preço de achar que a imprensa domesticada vai salvar o regime das notícias catastróficas na hora H. Não vai. A imprensa, a despeito de proteger tucanos e emedebistas, adora uma catástrofe para vender jornal.
Decorre daí, portanto, uma nova realidade política para o combalido país em ano eleitoral. Neste imbróglio social de proporções épicas, há um aspecto simbólico digno de nota: Lula está preso e pouco pode fazer para acalmar a população zangada.
A proscrição de uma personagem como Lula em um momento como esse passa a ser não mais motivo de lamentação ou de celebração: passa a ser motivo de desespero. Porque Lula é um dos poucos agentes com capacidade e intuição para lidar com esse tipo de desorganização social generalizada, com origens truncadas e zonas complexas de negociação.
Uma greve como essa em ano eleitoral é território sagrado para o nosso amigo Imponderável de Almeida. Seu vulto circula entre os caminhões e as soluções pífias do governo com olímpica soberania e destreza.
O Brasil é, acima de tudo, um país surpreendente.