Raphael de Almeida Magalhães, que foi o principal assessor político e administrativo de Carlos Lacerda, me relatou que, ao voltar da cobertura, como jornalista, do evento de fundação de Israel, em 1948, o fundador da Tribuna da Imprensa comentou que jamais haveria paz na Palestina. Pelo que sabemos, hoje, ele tinha razão. Realisticamente, não há acordo possível entre palestinos e israelenses.
É a situação mais complexa do mundo contemporâneo. Israel nasceu num momento em que os povos da terra, logo após a Segunda Guerra Mundial, acabavam de tomar conhecimento do mais terrível genocídio de todos os tempos, o holocausto de mais de 6 milhões de judeus em campos de concentração nazistas. Isso reforçava a luta pela criação de um Estado judeu independente, proposto pelo movimento sionista desde o final do século XIX.
Acontece que, do outro lado, havia os palestinos, que, também secularmente, ocupavam a terra reivindicada pelos judeus, desde sua expulsão de lá pelos romanos, no ano 70 D.C. Enquanto foi um mandato inglês, os dois povos conviviam em relativa paz, embora com eventuais atritos a partir de 1920. Mas a Inglaterra não suportou as pressões militares e políticas do Haganá, a principal força paramilitar judaica que lutava pela criação do seu Estado. No fim da Segunda Guerra, abdicou de seu mandato sobre a Palestina.
Seguiu-se a guerra civil árabe-israelence, que definiria os primeiros limites do Estado judeu. Os palestinos foram virtualmente expulsos do território que ocupavam havia séculos. Desde então, formaram-se vários grupos paramilitares que, apoiados por povos árabes vizinhos, e semelhante ao que havia acontecido com o Haganá em relação aos ingleses, tomaram como meta, nessa altura, a destruição do Estado recém-criado. O Haganá, por seu lado, tornou-se o núcleo do Exército oficial de Israel, tornando-se, com apoio ocidental, uma força militar considerável.
Todas as tentativas de estabilizar as relações entre esses dois povos falharam. Nada menos do que três guerras generalizadas foram travadas por Israel contra países árabes vizinhos que se alinharam em favor dos palestinos, todas vencidas pelo Estado judeu. Seis outros conflitos de menor escala, inclusive o atual, aconteceram a partir de 2018 na Faixa de Gaza, uma estreita faixa de terra ao sul de Israel. Também nesse caso, todos foram vencidos pelos israelenses, invariavelmente com um balanço de mortos e feridos a seu favor.
O que torna essa guerra virtualmente insolúvel é que, mesmo que alguns países árabes mais moderados, como o Egito, tenham retirado seu apoio incondicional aos palestinos insurgentes e aceitem negociar a paz, esses últimos contam com a ajuda de países como o Irã, e mesmo de bilionários árabes do petróleo que lhes dão suporte, contrários a uma solução pacífica. Além disso, as forças paramilitares que ocupam territórios em Gaza e no Líbano – o Hamas, o Hezbollah e a Jihad Islâmica – não aceitam, por princípio, a existência do Estado judeu.
Com isso, a despeito dos esforços internacionais pela paz, não há nenhuma fórmula mágica que coloque os dois lados num mesa de negociações. A radicalização das lideranças não é uma posição pessoal. Ela reflete a consciência popular de que há uma injustiça profunda, sancionada pela maioria das nações do mundo, contra o povo palestino, tendo em vista uma espécie de indiferença em relação às origens do conflito.
Esse fato é atestado pelo que acontece no Líbano, onde a liderança palestina, exercida pela Jihad Islâmica, está nas mãos de um grupo considerado por países ocidentais relativamente moderado. Sem eleições, esse grupo exerce o poder desde o início da década passada. É que os próprios países ocidentais acreditam que, se houver eleições, elas seriam ganhas por elementos ainda mais radicais. Além disso, há diferenças de perspectiva entre os próprios palestinos, e, não raro, conflitos entre si. O Hamas, por exemplo, chegou ao poder em Gaza derrotando militarmente facções rivais.
É isso que dá à guerra árabe-israelense um caráter eterno. Ela não se deve à radicalização de líderes, mas à radicalização de um povo. Ninguém, honestamente, pode dizer que esse povo não tenha algum motivo para lutar pela recuperação das terras e das casas de que foi expulso. E isso porque a política de ocupação de terras palestinas continua ainda hoje, sob a liderança da direita radical israelense. Esta, dominada por uma elite religiosa igualmente radical, tem à frente o partido Likud, atualmente chefiado por Benjamin Netanyahu, que, no plano interno, abertamente está dando um golpe de Estado contra a democracia no país.