Este artigo foi publicado originalmente em novembro de 2015.
Kim Kataguiri, que já tem em seu álbum de fotos a antológica imagem ao lado de Eduardo Cunha (líder máximo do movimento anti-corrupção, um guru para as crianças do MBL – Movimento Brasil Livre) e a belfie (selfie da bunda) enviada ao DCM, surge empunhando uma arma de ar comprimido. E ameaça:
“Enquanto não cai o Estatuto, o jeito é ficar no airsoft.”
E depois, caso o Estatuto do Desarmamento seja mesmo revogado, o que fará o patriota Kim? Vai às manifestações com uma AK-47 ou com um revólver como faz Bolsonaro filho? Vai entregar um Taurus 38 para cada correligionário que se acorrentar ao pilar do Salão Verde da Câmara?
A foto provocadora dispensa legendas. Está explícito que Kim e seus Power Rangers aguardam ansiosamente para colocar petistas e qualquer um que pense diversamente para correr na base da bala. Vista uma camiseta vermelha em dia de manifestação puxada por esses coletivos pró-impeachment e saiba do que estou falando.
Depois do mais recente artigo sobre o quanto deputados receberam em suas campanhas para empenhar-se na revogação do estatuto, neo-fascistas seguidores do MBL e do Movimento Viva Brasil invadiram a página do facebook do DCM, vomitando asneiras e fazendo ameaças.
Nada de muito sério, mas de uma turma que se informa pelo facebook e que não sabe diferenciar o que foi o referendo e o que é o estatuto, com aquela conversa de que desarmamento é coisa de blog corrompido pelos petralhas pode-se esperar de tudo.
Afinal, eles politizam qualquer coisa e no momento atual não apenas querer andar de bicicleta mas querer andar desarmado também é coisa de comunista. De bicicleta e desarmado então, merece ser fuzilado por essa gente de bem que sonha em ter uma pistola na cintura para sair combatendo os comunistas.
A linha de raciocínio, quando não visava atacar o DCM, era ainda mais sombria: “Só o cidadão honesto está desarmado. Isso vai mudar em breve!”, ameaçava um dos muitos pretensos candidatos a Charles Bronson, seguidores do sorumbático Benê Barbosa, ativista e auto intitulado maior especialista no assunto no país.
Estão brincando com fogo e empurrando-nos para uma sociedade tão doente quanto a do tio Sam. Facilitar o acesso às armas é criar um oceano de tragédias. Um levantamento feito nos casos investigados pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) aponta que 83% dos assassinatos esclarecidos foram cometidos por motivos fúteis como brigas de trânsito, discussões de casal, rivalidades entre torcedores fanáticos. Quando se tem uma arma à mão, este é o resultado.
Depois do massacre em Columbine (uma das centenas de matanças em universidades, escolas ou cinemas que ocorrem nos Estados Unidos por motivos tão complexos quanto frágeis), Michael Moore produziu um documentário na tentativa de entender como e por que aquilo havia acontecido.
São muitas as observações e a cultura do medo imposta pela mídia é uma avaliação certeira, porém a conclusão derruba logo de cara um dos argumentos mais caros aos defensores do direito de se andar armado: o de que quem mata não é a arma e sim o homem. Ora, o homem que mata o faz com um arma na mão e o fácil acesso a ela só aumenta as estatísticas.
Com esse argumento tão cínico quanto rasteiro, a turma armamentista faz diversas acusações sobre quem então seria o responsável pelas mortes em Columbine já que a culpa segundo eles não era das armas. Acusam os filmes, os vídeogames, os pobres, os negros, o sol, a chuva, sobra até para o cantor Marilyn Manson. Ninguém quer enxergar que aquilo só ocorreu porque os adolescentes tinham armas e munição obtidas fácil e legalmente.
Desde as cavernas já usamos a funda, o tacape, a zarabatana, depois partimos para armas mais sofisticadas a fim de resolver os problemas individuais na pré-existência de um Estado. Até que alguém inventou o diálogo, a civilização e a política e pouco a pouco foi abandonado o costume de atender a porta de casa com um mosquete na mão. É preciso muita titica de galinha na cabeça para acreditar que andar armado seja o passo seguinte na evolução.
Escapa-me entender que essas pessoas não visualizem que o que devemos almejar é uma sociedade na qual ninguém use armas, nem mesmo a polícia. O Reino Unido tem uma das legislações mais restritivas ao uso de arma em todo o mundo. A maior parte dos policiais britânicos não anda armado. Em um ano – entre maio de 2012 e abril de 2013 – as polícias da Inglaterra e do País de Gales fizeram disparos de armas de fogo apenas três vezes. Não mataram ninguém.
O que passa na mente dessa turma que é contra o aborto mas a favor que se mate quando já for maiorzinho? Os legisladores e lobistas ganham dinheiro para isso. Os inocentes querem bala. Lázaro, ajude-nos a entender.