A história de “Yolanda”, sucesso na voz de Pablo Milanés e Chico Buarque

Atualizado em 22 de novembro de 2022 às 9:35
Chico Buarque e Pablo Milanés. Reprodução

 

O texto abaixo foi publicado originalmente no blog História pelos Cantos pelo jornalista Robson Leite, em 19 de setembro de 2021 e republicado em 22 de novembro de 2022 por ocasião da morte de Pablo Milanés.

Duas que são uma.

“Yolanda” é a original, enquanto que “Iolanda” é a versão brasileira. Por trás dessas canções, dois gênios da música latino-americana: Pablo Milanés e Chico Buarque. Vou contar primeiro quem é essa mulher que inspirou versos tão apaixonados e depois explico como que o Chico entrou nessa história.

Produtora de cinema e TV em Cuba, Yolanda Benet era a esposa de Pablo em 1970. Ela acabara de dar à luz Lynn, a primeira filha do casal. Mas o cantor e compositor não pode estar presente ao parto por causa do trabalho. Milanês tinha apresentações agendadas longe de Havana.

Foram apenas alguns dias longe da família. Mas a saudade da esposa e a vontade de estar ao lado dela naquele momento tão especial, inspiraram o poeta. E, quando finalmente retornou, tinha escrito uma das canções mais lindas e românticas do mundo.

Esto no puede ser no mas que una canción
Quisiera fuera una declaración de amor
Romantica sin reparar en formas tales
Que ponga freno a lo que siento ahora a raudales

Te amo
Te amo
Eternamente te amo

Si me faltaras no voy a morirme
Si he de morir quiero que sea contigo

Mi soledad se siente acompañada
Por eso a veces se que necesito
Tu mano
Tu mano
Eternamente tu mano

Cuando te vi sabia que era cierto
Este temor de hallarme descubierto
Tu me desnudas con siete razones
Me abres el pecho siempre que me colmas
De amores
De amores
Eternamente de amores
Si alguna vez me siento derrotado

Renuncio a ver el sol cada mañana
Rezando el credo que me has enseñado
Miro tu cara y digo en la ventana

Yolanda
Yolanda
Eternamente Yolanda
Yolanda
Eternamente Yolanda
Eternamente Yolanda

O casamento não durou muito, cinco anos somente. Mas a canção taí, até hoje, fazendo muita gente suspirar. Em entrevista à Marie Claire brasileira, Benet deu o seguinte depoimento:

“Conheci Pablo na casa de um amigo comum, em Havana. Eu tinha 23 anos e era continuísta de cinema. Casualmente, três dias depois começamos a trabalhar juntos em um filme e nos apaixonamos. Pablo compôs Yolanda quando nossa primeira filha tinha dez dias. Ficou chateado por ter de viajar.”

Pablo Milanés com a pequena Lynn e a esposa nos anos 1970

“Quando regressou, trouxe a canção. Eu estava com Linn nos braços, dando-lhe o peito, e ele me disse: ‘Olha o que fiz para você’. Pegou o violão e cantou ‘Yolanda’. (…) Pensei que aquela canção era algo íntimo, que só eu poderia compreender o que Pablo estava dizendo. Mas parece que ele fez com tanto amor que todos são capazes de entender (…)”

Lynn e Yolanda Benet

Pablo Milanés é um dos cantores e compositores mais influentes de Cuba. Foi um dos precursores do movimento Nueva Trova ao lado de músicos alinhados a temas políticos e sociais, conectados a movimentos populares no Chile, Argentina e também no Brasil.

Nesse contexto, conheceu Chico Buarque.

O brasileiro fora a Cuba como convidado pela Casa de las Americas para ser jurado num concurso literário. Ficaram amigos e passaram a gravar canções e mesmo versões de canções um do outro.

Marcando mais uma passagem de Pablo pelo Brasil em 2014, o Correio Brazilense relembrou Chico em Cuba: “sentou-se ao lado do colombiano Gabriel García Márquez e de outros intelectuais latinos. Na plateia, a então esposa Marieta Severo acompanhava o evento. Pouco depois, de volta ao Brasil, Chico e Marieta foram detidos pela polícia e obrigados a prestar esclarecimentos acerca daquela visita(…)”

Em 1978, Milton Nascimento e Chico Buarque gravaram “Canción por la Unidad Latinoamericana” que foi incluída no disco “Clube da Esquina 2”.

https://www.youtube.com/watch?v=5m9yLjTyNlk

Buarque também gravaria “Como se Fosse a Primavera”, em espanhol e numa versão em português dele mesmo, com a participação do próprio Milanés.

Só em 1984 finalmente surgiu uma versão em português para “Yolanda”. A letra de Chico é bem fiel à proposta original de Pablo Milanés em fazer uma declaração de amor à então esposa. Pra facilitar, por aqui ficou “Iolanda”, com “I” mesmo.

E a primeira gravação saiu num disco da cantora Simone.

Foi em “Desejos” (1984) que ela e Chico gravaram um dueto memorável e apresentaram ao público toda beleza da poética de Pablo, com uma tradução quase fiel e com a sensibilidade costumeira de Chico Buarque de Hollanda.

Uma ou outra palavra foram alteradas para soar melhor em português.

Foi um sucesso imediato. Em entrevista a um programa de TV, Simone revelou que “Iolanda” não sai do repertório dos shows dela desde então. A cantora disse ainda que considera a versão de Chico mais bonita que a letra original.
“Iolanda” cativou tanto o público que tornou-se a canção a mais executada de todo repertório de Chico Buarque.

Pablo Milanés veio diversas vezes ao Brasil, gravou inclusive disco por aqui. Em 1986, fez uma aparição inesquecível no global “Chico & Caetano”. Como não poderia deixar de ser, ele e o filho do seu Sérgio cantaram juntos o grande sucesso de suas vidas.

A canção foi regravada por artistas de diversos países, como Guadalupe Piñeda (México), a Orquestra Guaycán (Colômbia) e ainda a Danza Invisible (Espanha). No Brasil também houve regravações marcantes.

Há uma muito bonita de Ney Matogrosso em 1998, incluída no DVD da turnê do cantor pelo Brasil em 2019.

Outra regravação muito lembrada é a dos sertanejos Christian & Ralph que está no show Acústico (CD e VHS) da dupla, também de 1998, mas que seria relançado em DVD em 2004.

Por essas e outras, é que a tal da “Yolanda” não sai da nossa cabeça.

Robson Leite, dono do blog História pelos Cantos, é jornalista e publicou esse texto em 19 de setembro de 2021