Publicado originalmente no Vatican News:
Por Robson Caramano
Tendo em vista evitar aglomerações, a Santa Sé optou por fortalecer a interação dos fiéis com a fé através dos meios de comunicação. Despertou curiosidade quando a partir de 08 de março o Papa Francisco começou seu primeiro Angelus totalmente on line, sem a saudação a fiéis na praça São Pedro.
Tão logo se poderia perguntar sobre os desafios de atingir, no mundo virtual, o mesmo público que semanalmente vão a Roma para ouvir o Papa em seu pronunciamento dominical. Não se tratava de uma simples transmissão ao vivo de um momento, é o Papa falando aos fiéis não mais das janelas do Vaticano, mas sim da janela do mundo que é a internet. Isso exigia nova linguagem, um novo olhar para o modo de se comunicar da Igreja.
Este novo modo implica saber que os meios de comunicação social e os atores religiosos [bispos, padres, diáconos, leigos (as), Povo de Deus] não apenas transmitem mensagens de interlocutores, mas, também, os coloca frente a frente. É uma nova consciência: o papa não está em Roma falando às pessoas, ele está com elas, no meu celular, em minha Tv na tela de meu computador. Isso nos permite encurtar a distância e nos vermos próximos de sua Santidade.
Uma Igreja midiatizada no ciberespaço
É bem verdade que a comunicação vaticana sempre se esforçou por transmitir os atos acontecidos na Igreja Universal, atitude esta que se intensificou depois de sua reforma integrando todo o sistema comunicacional. Neste tempo de pandemia do Coronavírus, até mesmo as transmissões das missas, presididas pelo Papa, ganharam esta conotação de participação ativa dos fiéis.
Inúmeras notas publicadas no brasil contemplavam esta realidade e dizem algo como: “neste período, diante da não participação física nas missas que se possa acompanhar a celebração pelos meios de comunicação” – isso começa a configurar uma nova importância para algo que antes era considerado apenas um modo de transmitir o que se acontecia. Os meios de comunicação hoje, mais do que nunca estão configurando uma nova realidade de vivência do religiosos.
O teólogo e padre jesuíta Antônio Spadaro (2012), em seu livro Ciberteologia – pensar o Cristianismo nos tempos da rede, encerrou a possibilidade da vivência sacramental através da realidade virtual, com a afirmação de que a vivência sacramental, para a Igreja, implica na presença física no templo. Excluí- se, assim, a experiência de um “sacramento virtual”, já testado por alguns líderes religiosos não católicos, no entanto, todas sem sucesso, de acordo com os apontamentos de Spadaro (2012). “A Igreja católica insiste sempre no fato de que é impossível e antropologicamente errado considerar a realidade virtual “capaz” de substituir a experiência real, tangível e concreta da comunidade cristã visível e histórica, e ele vale para os sacramentos e as celebrações litúrgicas” (SPADARO, 2012, p. 126).
Se por um lado se torna impossível esta vivência sacramental, por outro não se pode negar a existência de uma devoção popular que se dá através da mídia e da rede, com uma experiência on-line, como afirma Sbardelotto (2011). Esta experiência não é a realidade do sacramento, enquanto presença física do fiel no templo, no território, mas sim sua interação com a prática religiosa através da rede.
Esta prática do fiel em rede expressa o fenômeno da midiatização presente na instituição religiosa. A presença institucional está para além de um espaço territorial, está na nuvem, on-line, segundo Sbardelotto (2017). Este novo espaço de interação e vivência do religioso é o que constitui um novo templo, gerando um novo espaço celebrativo.
Não se trata midiatizar o sacramento em si, uma vez que a vivência dele implica presença na vida comunitária, como acena Spadaro. Ao invés disso, a presença virtual é compreendida pelo autor como recepção de uma realidade que lhe é transmitida. No que se refere à comunicação, esta realidade ao ser transmitida gera uma comunidade virtual. Desta forma, este novo espaço celebrativo se dá na presença de uma comunidade atravessada pelo processo de midiatização. Comunidade esta que se configura na medida em que existe na rede.
Como definira em sua tese doutoral o pesquisador Paulo Roque Gasparetto (2009), “Uma comunidade é sempre algo concreto que acontece dentro de uma delimitação geográfica, mas é também um processo comunicativo de negociação e produção de sentido.” (GASPARETTO,2009, p.46).
Assim, os meios de comunicação de massa vêm gerando e formando comunidades também no ciberespaço. Este lugar virtual permite que indivíduos e grupos, embora distantes pela questão territorial, geográfica, estejam próximos a partir do seu pertencimento em uma comunidade formada na rede.
Há que se considerar o fato de que por comunidade virtual compreendemos, como definiu o pesquisador André Lemos (2010), “um grupo de pessoas que estão em relação por intermédio do ciberespaço” (LEMOS, 2010, p. 101). Ainda de acordo com a percepção de Lemos, “a tendência atual é que as organizações clássicas se tornem comunidades e redes sociais on-line” (LEMOS, 2010, p. 105- grifo do autor).
É nesta perspectiva que reconhecemos os atores religiosos hoje, muitos deles buscando oferecer a vivência da instituição no universo on-line. Dentre eles encontramos as ações de Francisco na mídia que favorece a existência destas comunidades virtuais através de serviços religiosos prestados no ciberespaço.
A religião assume o formato da mídia na medida em que traz para o ciberespaço as práticas religiosas. Como definiu Lúcia Santaela, “o ciberespaço é o espaço que se abre quando o usuário conecta-se com a rede” (SANTAELA, 2004, p.44). Neste lugar se compreende como um “mundo virtual global” (SANTAELA, 2004, p.40), a religião também está inserida a partir da oferta da fé no mundo virtual.
Os desafios para novos temp(l)os
Com o fenômeno da midiatização apontado por Hjarvard, os atores religiosos e as instituições se midiatizam; entendendo por mídia as multiplataformas digitais, pois, compartilham conteúdos, discursos e imagens. A Igreja elaboram uma concepção de vivência religiosa formada através deste processo, como novas comunidades, comunidades virtuais. Elas configuram um novo modo de pastorear nos meios de comunicação, são novas autoridades religiosas que discursam neste novo lugar de fala propiciado pela mídia.
Bem se entenda que ao dizer “nova autoridade” dizemos a partir deste novo perfil e modo de se comunicar. Este novo se caracteriza pela incorporação de lógicas e práticas midiáticas no interno da instituição e na ação de seus atores. Expressão disso é o novo modo que o Papa Francisco realiza o Angelus.
Quais os efeitos disto na Igreja do mundo? Como já o fez com a preocupação ambiental; a exemplo das atitudes que marcam seu pontificado e ensinam muito, o Papa mais uma vez sai na frente, com seu exemplo, desafiando as comunidades eclesiais do mundo inteiro a pensarem novos modos de se fazer presente na vida de seus fieis.
De alguma forma o COVID-19 está forçando as instituições, principalmente as religiosas, a repensarem o modo de transmitirem seus conteúdos de fé, bem como de se lançarem na construção de ambientes saudáveis acerca da vivência do religioso. Na minha maneira de perceber nunca a comunicação ganhou tanta importância dentro da instituição como agora.
Que as pastorais de comunicação, os profissionais católicos, sintam-se chamados a colaborarem com a resposta que a Igreja precisa dar ao mundo neste momento de crise. Realiza-se isto ampliando a maneira de evangelizar, utilizando-se das redes como nunca antes. Sem, é claro, romper com os princípios teológicos fundamentais para a reta vivência da fé.
Seguramente se pode afirmar que é tênue a linha pela qual percorre o ator religioso que atua na rede midiática. Tenuidade que se demonstra no risco eminente de inserir aspectos subjetivos e pessoais em realidades que são institucionais e pedem atenção à tradição. No entanto, evidencia-se o fato de que é urgente buscar novos meios de se evangelizar, promovendo a midiatização, e favorecendo o que Rino Fisichella (2012) denominou como “a nova evangelização”. Afirma Fisichella que “na selva interpretativa […] seja melhor evitar o neologismo “reevangelização”, para permitir falar-se da nova evangelização como de uma forma mediante a qual o Evangelho de sempre é anunciado com novo entusiasmo, novas linguagens compreensíveis numa condição cultural diferente e novas metodologias capazes de transmitir o sentido profundo que permanece inalterado” (FISICHELLA, 2012, p.31).
A nova evangelização não consiste na transmissão de novos conteúdos, mas em apresentar a contemporaneidade perene de Cristo a todos os homens e mulheres de nosso tempo. A mensagem de Cristo “[…] não é palavra oca, é Alguém” (BRIGHENTI, 2011, p. 92). Em tese, é este Alguém que deve ser anunciado, mais do que mensagens e orações populares. O compartilhamento do cristão na rede de computadores não pode fugir dos trâmites de um anúncio profético e responsável, capaz de libertar as pessoas da indiferença e do egoísmo. “Sendo Palavra viva de Deus, é também um evento que provoca as pessoas, penetra na sua vida chamando-as à conversão e cria uma comunidade de fé, de esperança e de amor. Em suma, não é uma simples palavra, mas uma força criadora que atua aquilo que exprime” (FISICHELLA, 2012, p.23).
Nota-se que a “força criadora” está no sentido de transformação da realidade a partir do anúncio da Palavra. Não é um anúncio de mera propagação de mensagem, mas sim um anúncio que deve provocar um impacto na ação relacional das pessoas, formando comunidades, favorecendo a esperança e a construção de uma sociedade fraterna, on line e off line.
Padre Robson Caramano – Assessor de Comunicação e Imprensa da Diocese de São Carlos, Mestre em Linguagem, Mídia e Arte pela PUC Campinas/SP.