A inconformação de Janot mostra que há pessoas que não sabem sair. Por Eugênio Aragão

Atualizado em 18 de novembro de 2017 às 8:51
Janot e o advogado de Joesley em boteco do DF
Ray Charles gostava de tomar sua birita nos pés sujos do DF

POR EUGÊNIO ARAGÃO, ex-ministro da Justiça

Há pessoas que não sabem sair. Entram com pompa, empertigam-se com as circunstâncias da função, exibem-se empavonados e querem ficar para sempre. Gostam do cargo que creem talhado para eles. Acham-se insubstituíveis. Quando chega a hora de passar o bastão, fazem beicinho e não querem largar.

Saem meio que a fórceps. E ficam com raivinha do sucessor ou da sucessora, que não é tão bom ou tão boa quanto se acham. Alguns até se recusam a transmitir o cargo, ainda que esse passe a outras mãos dentro da normalidade institucional. Acham um desaforo a escolha do sucessor sem sua aquiescência. O sucessor só pode ser quem eles escolhem.

Por recém entrevista que deu, o ex-PGR parece se encaixar nesse figurino, com vocação para alma penada, espírito que não toma consciência de que desencarnou. Torna-se um encosto para os que ficam, a quem enxerga como ingratos, por não lhe terem garantido mais vida, como entende de seu direito. Um espírito obsessivo.

Além da continha “oficial” no Twitter, que inaugurou para sua posteridade, querendo sempre ser lembrado, assaca, agora, no jornal O Globo, muito acima do tom, contra acertadíssima decisão do Ministro Ricardo Lewandowski, de devolver acordo de delação ao MPF, porque celebrado em evidente usurpação de função jurisdicional.

Excessivamente leniente com o investigado, o tal grupo de trabalho da “Lava Jato”, subordinado ao ex-PGR, se arrogou o direito de despir de sentido a pena de reclusão em regime fechado, convertendo-a, sem previsão legal, em serviço à comunidade. Não só tungou a fixação da pena do juiz, como se fez de legislador. Ou foi ignorância em direito penal, ou foi a presunção vaidosa que cegou a turma em volta do ex-PGR.

Mas o ex-PGR foi mais longe. Sugeriu que a decisão de devolver o acordo de delação ao MPF poderia ser consequência de desconforto do STF com os “rumos indesejáveis” das investigações. Moralista tem dessas coisas. Sempre se acha superior aos outros. Está sempre certo e quem não o reconhece deve estar de má fé.

Talvez o ex-PGR devesse se lembrar que foi o Ministro Ricardo Lewandowski que garantiu sua escolha para o cargo cuja perda tanto pranteia. Insinuar publicamente má fé de quem procurou tão ansiosamente quando precisou não é propriamente sinal de bom caráter.

Mais comedimento lhe seria recomendável, até porque, ainda na ativa, como membro do MPF, não é esse o modo apropriado de se dirigir ao juiz que negou pedido que formulou – não em caráter pessoal, mas quando ainda no exercício do cargo de PGR. Quem pode, a esta altura, contestar, nos autos, o teor do despacho é a sucessora Doutora Raquel Dodge. Atropelar sua iniciativa com entrevista a periódico não é nem ético e nem disciplinarmente aceitável.

Cada macaco no seu seu galho. Ao ex-PGR, já que não quis aposentar, talvez por medo do ostracismo, cumpre agora apenas oficiar perante o STJ, que é a parte que lhe cabe desse latifúndio. Que deixe o STF para quem sabe e pode. A Doutora Raquel Dodge, em dois meses, mostrou virtudes que não constatamos em quatro anos do antecessor: profissionalismo e discrição, sem entrevistas indignadas, sem envelopamento de edifícios e sem conta no Twitter.