O destino não foi generoso com FHC.
O homem de quem ele mais tem ciúme acaba de ser agraciado com o título de cidadão honorário do lugar de que ele mais ama, Paris.
Um comunicado oficial da prefeitura explica que Lula “permitiu que quase 30 milhões de brasileiros escapassem da pobreza extrema e acessassem direitos e serviços essenciais”.
Ele também é “conhecido por sua política proativa de combater a discriminação racial particularmente acentuada no Brasil”.
Lula passa a fazer parte de uma galeria que inclui Mandela, o Dalai Lama, Mumia Abu-Jamal, ex-integrante dos Panteras Negras que se tornou popular nos EUA com programa de rádio “A voz dos sem-voz”, entre outros.
Ao todo, receberam a honraria dezessete personalidades presas ou em perigo por suas opiniões políticas desde 2001.
“É um título de proteção que concedemos”, discursou na Câmara Patrick Klugman, chefe de uma secretaria, citando a perseguição da “Lava Jato, que visava sua prisão” (no pé deste artigo).
Em 2003, a revista Viagem e Turismo, que eu dirigia à época, publicou uma reportagem sobre a Paris de Fernando Henrique Cardoso.
O ex-presidente falava como connoisseur de sua vida na capital francesa, de seu amor por ela, mencionando o célebre apartamento na Avenue Foch, endereço dos ricos e de poderosos como Idi Amin Dada.
“Depois de São Paulo, é onde me sinto mais em casa”, contou.
A familiaridade vinha dos tempos de aluno da USP, quando vários professores eram franceses, e foi aprofundada nos três períodos em que morou ali entre os anos 60 e 70.
Lecionou lá durante o exílio. “Aqui não sou turista, não me sinto na obrigação de conhecer nada”, declarou à repórter Flávia Varella.
Aos 88 anos, o veterano golpista é obrigado a testemunhar sua nêmesis ser homenageada assim, estando numa cela a um oceano de distância, enquanto ele é esquecido lenta e inexoravelmente aqui e no ultramar.
Nunca vai perdoar Lula.
“A inveja é mais irreconciliável do que o ódio”, já dizia La Rochefoucauld.
(Enquanto sobem os créditos, ele sussurra para Luciano Huck: “Sempre teremos Higienópolis”).