“O racismo é sempre de pessoas sobre pessoas, e ele existe aqui como em todas as partes do mundo. Mas não é um traço dominante da nossa cultura. Por outro lado, nossas instituições são completa- mente abertas a pessoas de todas as cores, nosso arcabouço jurídico-institucional é todo ele ‘a- racial’. Toda forma de discriminação racial é combatida em lei”.
“A grande tragédia que as políticas de preferências e de cotas acarretam é o ódio racial. O sentimento de que o mérito não importa esgarça o tecido social.”
“Depois do casal original, tomamos gosto pela mistura e nos tornamos avessos a interdições raciais. Somos todos misturados. Não somos racistas.”
Os trechos acima são do livro “Não Somos Racistas”, de Ali Kamel, diretor geral de jornalismo da Globo.
É pouco provável que a jornalista Maria Júlia Coutinho tenha lido a obra. Maria Júlia, Maju, foi alvo de ataques racistas na página do Jornal Nacional no Facebook em um post sobre previsão do tempo. Ela é a “moça do tempo”.
A escumalha a chamou de, entre outras coisas, “macaca”, “preta imunda” e “rolo de fumaça”. Uma besta afiançou que ela só está na TV por causa, veja só, das cotas. No Twitter, Maju chegou a responder a um sujeito. “Beijinho no ombro”, escreveu.
Alguns de seus colegas se manifestaram. Glória Maria, por exemplo, disse a um colunista da revista Época que esse tipo de agressão não é novidade. “O que ela está passando hoje, eu vivi no Fantástico. Recebia os comentários por cartas e, depois, por e-mails. Não era uma declaração pública e vinha diretamente a mim, atingia a minha alma e meu coração.”
Bonito, mas, como naquela feliz expressão inglesa, too little, too late. Muito pouco, tarde demais. O que fez Glória diante dessa covardia de que ela alega ter sido vítima nesses anos todos? Avisou as autoridades competentes? Tentou emplacar matérias sobre o assunto?
Fez alguma coisa?
Nem uma coisa e nem outra. Se não é de hoje que isso ocorre, inclusive com alguém da emissora, onde alguma as denúncias? Nem um mísero Globo Repórter? A resposta tímida de Maju espelha, de certo modo, um velho receio de gritar contra o absurdo.
À guisa de solidariedade, a equipe do Jornal Nacional gravou um vídeo. “Fofo” é uma boa definição. Os apresentadores do JN, William Bonner e Renata Vasconcelos, aparecem numa sala de reuniões.
“Oi, a gente queria dar um recado pra vocês”, diz ele. Em seguida o iPhone de Bonner focaliza o time ao fundo, que segura uma folha de papel com a hashtag “Somos Todos Maju”. A palavra racismo ou racista não é sequer mencionada. Maju deve ter sido vítima, para um desavisado, de um atropelamento na Barra da Tijuca.
O programa Esquenta tratará do assunto com um samba chamado “A Culpa é das Cotas” e, na semana que vem, estará tudo resolvido.