Naquele almoço dominical entre familiares desinformados, lembre-se sempre de citar a Itália. É o melhor antídoto contra o complexo de vira-lata daqueles parentes retrógrados que ecoam o que veem na TV e arrotam que o mal do Brasil ‘é o povo’, que ‘isso aqui não tem jeito’.
A ressurreição de Silvio Berlusconi (uma criatura que poderia ser comparada a uma fusão de Roberto Marinho com Paulo Maluf e Eurico Miranda) é algo semelhante a vermos um Fernando Collor com cacife político suficiente para eleger até poste.
Portanto, aquele repetitivo “o povo aqui não tem memória” desferido por aquele tio reaça, não é uma exclusividade brasileira.
E nem na Itália é novidade. As primeiras eleições após a Segunda Guerra, um período sangrento e determinante, depois de tanta luta contra o nazifascismo da dupla Hitler/Mussolini, resultaram na vitória da direita (!?).
Um balde de água gelada nos bravos partigianos.
Uma direita extremista que, diga-se, permanece viva e crescendo. Além dos partidos que se intitulam como pós-fascistas, a expectativa era que o movimento Casa Pound (que defende o legado de Benito Mussolini) tivesse algo como 1,8% de votos neste domingo.
Pode até parecer um índice inexpressivo, mas é sempre bom lembrar que a tal Liga Norte (hoje batizada apenas Liga) há meros cinco anos atrás tinha míseros 4,1%. Ontem venceu.
Já seria de se espantar caso existissem, entre as mais de 8 bilhões de pessoas do mundo, duas que defendessem o ‘legado de Mussolini’.
Na Itália existem dois para cada cem eleitores. Assustador e quase incompreensível como os brasileiros que pedem a volta dos militares. Se isso não é cegueira e ignorância, o que é?
O sucesso no pleito de ontem da coligação de direita (que chamam de centro-direita por pura cautela de imagem, pois de centro não tem nada) encabeçada por Berlusconi é mais um capítulo da felliniana história política do país.
Excepcionalmente confirmando as pesquisas (elas são uma peça de comédia na Itália), o 5 Estrelas foi o partido mais votado individualmente mas a coligação de ‘centro-direita’ levou a melhor (inclusive com a Liga do extremista Matteo Salvini ultrapassando a Força Italia de Berlusconi), ou seja, os italianos votaram em peso num partido ‘alternativo’, criado por um comediante, e também num Bolsonaro.
Complexo, não?
Claro que tudo na Itália é muito confuso e o sistema eleitoral, que é uma mistura de majoritário com proporcional, não seria diferente.
O que nos leva a crer que sejam chamadas novas eleições ou que a ingovernabilidade do país se manterá (a piada mais comum e antiga sobre política na bota é que “governar a Italia não é uma tarefa difícil, é impossível”).
Ao que tudo indica, o discurso xenófobo contra a recepção e promessa de expulsão de refugiados funcionou a contento. Italianos, tal qual brasileiros, adoram culpar os gastos sociais e programas humanitários.
Passei boa parte do ano de 2015 no país, em pesquisa para escrever um livro.
Em conversas tantas, ouvi vários depoimentos de críticos ao desembarque de refugiados, da concorrência de migrantes por empregos, da assistência que o governo de Matteo Renzi estava prestando ‘àquela gente’.
Era só dar mais um pouco de motivação aos interlocutores para acabar descobrindo que muitos recebiam algum tipo de benefício do qual não abririam mão em hipótese alguma.
Por uma unha encravada o cidadão estava aposentado por invalidez. Novo e forte como um touro, vivia às custas do Estado mas queria mesmo era que a Marinha afundasse os botes vindos da Africa.
No entanto, caso o bote aporte, aquelas ‘pessoas de bem’ não pestanejam em contratar os infelizes sobreviventes por um salário inferior ao mínimo e sem registro. O leitor vê algum paralelo com o Brasil?
Um dos povos mais corruptos existentes, berço da máfia, obviamente que os italianos embarcam fácil no discurso anti-corrupção de políticos. É a hipocrisia em seu grau mais elevado.
Mas aquele seu cunhado não quer saber disso. Acha que a culpa é do PT.