Esta segunda-feira era o dia D para o secretário de educação de São Paulo Herman Voorwald. A trégua de três dias que ele havia concedido aos estudantes terminava e a partir daí as escolas precisariam ser desocupadas. Perdeu de novo.
Em reunião da 7ª Câmara de Direito Público, juízes do TJ-SP negaram recurso do governo que pedia reintegração de posse das escolas. Desde a semana passada todas as tentativas de dar um prazo aos estudantes foram derrubadas por juízes e desembargadores por entenderem que a questão é muito mais ampla. Diz respeito a políticas públicas que merecem ser debatidas com a população e não forçadas goela abaixo.
Sempre a pedido da Defensoria Pública, a justiça tem interpretado, corretamente, que os alunos não estão “tomando posse” da escola e sim fazendo uso de uma ocupação para serem ouvidos.
Mas o turrão Herman Voorwald irá acatar? Seu histórico não anima.
Logo após assumir a secretaria em 2011, Voorwald disse que os professores estavam muito desmotivados e com salários baixos. Sua prioridade seria a de “resgatar a dignidade dos professores, por meio de diálogo.”
Já chegou também criticando a desastrosa gestão José Serra que não priorizava a educação e ainda mandava reprimir greves por melhores salários por meio de violentas atuações da PM. Pouco depois, por iniciativa própria, externou a ideia de reduzir aulas de português e matemática em benefício de disciplinas como sociologia, filosofia, artes, espanhol. Por essa grade de disciplinas ‘humanista’ Herman foi taxado de esquerdista e espinafrado por tucanos que chegaram a pedir sua demissão. Muitos apostaram que com aquelas ideias ele teria vida curta na Secretaria.
Quatro anos depois, o secretário está aí, firme e forte e agora assemelhado ao chefe. Herman Voorwald é um retrato do governo Alckmin: vertical e surdo.
Não é o caso de simplificar e alegar tratar-se de alguém que dança conforme a música para manter o emprego. O Herman de hoje não tinha um histórico tão puro assim. Sua gestão como reitor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) foi bastante contestada. Lá ganhou o apelido de Caveirinha.
O Tribunal de Contas do Estado rejeitou as contas de 2009 e Herman foi multado por seu salário ser superior ao teto constitucional. Também um plano de reestruturação sob sua gestão tornou-se um drama. Em outubro de 2010, depois de longa greve, os servidores da Unesp encaminharam suas propostas para Herman Voorwald. Ele só se reuniu com eles no final de novembro, limitou-se a dizer que não tinha um estudo conclusivo, jogou a decisão para fevereiro do ano seguinte (quando nada aconteceu) para só em março de 2011 apresentar um plano totalmente diferente daquele sugerido pelo grupo de servidores técnico-administrativos da Unesp.
Alguma semelhança com o que ocorre hoje?
É por isso que os estudantes estão corretos em não aceitar a condição do Secretário que deseja a desocupação das escolas primeiro para depois negociar. Eles sabem que Herman Voorwald não irá revogar o plano de ‘reorganização’ e tão logo saiam das ocupações a batalha estará perdida. O exemplo também pode ser tirado pela luta dos professores.
Depois de uma greve de 89 dias no começo deste ano, nenhum centavo foi-lhes ofertado (aliás foi preciso uma liminar da 4ª Vara da Fazenda Pública para garantir o pagamento dos dias parados porque senão nem isso receberiam) e agora em setembro o Secretário declarou que os professores não terão reajuste salarial novamente, colocando a culpa na crise.
Em suma, já é um clássico Herman Voorwald dizer-se aberto ao diálogo e deixar seus interlocutores falando com as paredes. Afirma analisar contra-propostas mas a sua é que terá que ser colocada em prática. Criticou José Serra e a violência policial mas com Geraldo Alckmin age de maneira idêntica.
Está evidente que ao impor na base da força algo que estudantes, pais e professores estão contra, algo que interfere diretamente sobre vários aspectos na vida das pessoas, o Secretário não pode voltar atrás por não se tratar de uma preocupação com a qualidade de ensino. É uma decisão político-econômica e tomada em virtude do orçamento.
Durante audiência com os estudantes na última quinta-feira (quando finalmente Herman foi obrigado a ouvir a lista de reivindicações) o deputado Carlos Giannazi confrontou o Secretário:
“Se esse projeto é tão importante, por que não constava no plano de governo? Isso está sendo imposto agora e os estudantes não querem, não aceitam. Em razão disso alunos estão ocupando suas escolas e estão sendo criminalizados. É absurdo.”
Quanto mais o tempo passa, mais claro está que não há uma base sólida no tal plano de reestruturação. Considerado inapropriado por especialistas, o estudo que embasou a reorganização das escolas da rede estadual de ensino em ciclos separados utilizou um critério isolado. “O estudo apresenta uma correlação que não existe. Colocam como única variável a escola ter ciclo único ou não, mas não isolaram outros fatores, como o tamanho da escola e o tempo de gestão do diretor e de profissão dos professores.
O estudo não é apropriado para a Secretaria fazer a reestruturação com base nele”, declarou Priscila Cruz, diretora do movimento Todos pela Educação. “Não há qualquer justificativa pedagógica para isto”, é o que vem repetindo diariamente há semanas Maria Izabel Azevedo Noronha, presidente da APEOESP. Mas digamos que esse critério fosse o único disponível e unanimamente aceito como baliza. Daí é que a máscara cai de vez.
“As E. E. Fortunato Pandolfi Arnoni e Alvaro Trindade de Oliveira em Ribeirão Pires já eram de ciclo único, com ótima pontuação (5.4 no IDESP) e estão na lista de fechamento, isso é uma contradição total”, falou Juscelino Rodrigues Oliveira, professor aposentado que já lecionou nas duas unidades.
Herman Voorwald costuma ser duro na queda-de-braço. Mas ao lidar com alunos adolescentes está tomando um baile que talvez lhe custe o cargo.
Por sua intransigência, o Secretário de Educação está com um imenso abacaxi nas mãos. Em pouco mais de dez dias viu o número de escolas ocupadas pular de 2 para mais de 100 segundo o manifesto do Comando das Escolas Ocupadas (a Secretaria reconhece ‘só’ 86). E tudo indica que esse número vai aumentar. O governador Alckmin vai bancar esse prejuízo político?