A Justiça que se encolhe diante dos poderosos da extrema direita. Por Moisés Mendes

Atualizado em 1 de julho de 2024 às 22:49
Donald Trump olhando pra frente com expressão de raiva
Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos – Reprodução

Guardem para uma série da Netflix a cena do presidente americano preso, despachando de dentro de cela com seus ministros. Se eleito, Donald Trump não será preso. A vida continua como ela é, e não como desejamos que fosse.

A decisão da Suprema Corte, que recuou e concedeu o direito à imunidade parcial a Trump, é o movimento clássico da Justiça que se encolhe por não ter armas para enfrentar grandes facínoras. Esperaram para avaliar melhor a força política do sujeito e os humores da sociedade e decidiram pelo que é mais sensato.

Não se mexe, nem em altas Cortes, com os crimes de quem está recuperando ou fortalecendo um poder político avassalador. Está nos manuais dos best-sellers sobre a degradação das democracias. A Justiça só é valente em situações que permitem valentias. Não é o caso do momento americano.

Mas é assim que funciona? Sim, é assim lá e cá. Contextos, cenários, pressões e contrapesos descalibrados, tudo interfere nas decisões da Justiça. Ou todos os chefes dos golpes estariam, lá e cá, como os manés estão, enquadrados pelos sistemas de Justiça americano e brasileiro.

Apoiadores de Trump invadiram o Capitólio, sede do Legislativo dos EUA, em 6 de janeiro de 2021. Foto: Reprodução

A Suprema Corte recuou porque não se mexe com Trump numa hora dessas. Não há cenário nebuloso. O ambiente está bem iluminado. O que se vê é um Trump cada vez mais forte e um Joe Biden incapaz de atravessar a rua sozinho.

São sepultadas as melhores expectativas de que Trump estaria pelo menos encurralado, mesmo que não fosse condenado antes da eleição. Era falsa a sensação de que, mesmo sob domínio conservador, a Corte iria enfrentar Trump, para não ser destruída por ele mais adiante.

Suspenderam o cerco ao chefe golpista deles, assim como é frouxo o cerco ao chefe golpista brasileiro. Ah, mas dizem que Bolsonaro pode ser indiciado pelo caso das joias das arábias. Pode. Mas isso significará o quê?

Significa que podem nos oferecer como consolo que Bolsonaro será manietado por causa do cavalo de ouro e dos cartões falsificados da vacina. Mas e o golpe? O golpe fica para depois.

Também fica para mais tarde, por causa dos humores da sociedade, a deliberação do Supremo sobre a descriminalização do aborto. Porque o ministro Luis Roberto Barroso, em manifestações sinceras, anunciou que não é hora de pautar esse tema.

Nesse caso, as forças não são de um político fascista poderoso, mas as da população. E a maioria da população, diz o presidente do STF, não deseja que se fale disso agora, pela mistura de questões morais e religiosas exacerbadas.

O voto da relatora Rosa Weber, emitido em setembro do ano passado, pouco antes da sua despedida do STF, em defesa de descriminalização, fica numa gaveta, até o momento em que Barroso ou seu sucessor entenderem que há clima para que o Supremo trate do assunto. Porque falar de aborto agora é dar corda para a extrema direita.

É normal? Sim, é normal aqui, nos Estados Unidos, na Grécia e na Albânia. É assim que a Justiça anda pra frente e pra trás, ou dá empacadas por longos períodos, ou se faz de desentendida. Como nos filmes de máfia.

Como acontece com a lenta abordagem dos crimes do núcleo extremista que sustentou Bolsonaro durante quatro anos, cometendo todo tipo de desatino e crueldade, e que até agora está impune.

Porque é fácil prender, denunciar, julgar e condenar manés a 17 anos de cadeia, mas é sempre complicado fazer o mesmo com os manezões.

Como aconteceu com manés anônimos americanos e brasileiros. Com manés de grande porte, é preciso ter mais do que provas robustas. A Justiça depende do suporte da sociedade.

Foi nesse avança e empaca que a Corte deles nos induziu a pensar que, mesmo tendo maioria conservadora, e com três dos nove juízes indicados por Trump, seria possível ver prosperar a tese de que eles iriam conter o chefe da invasão do Capitólio.

Só a ralé foi contida. Prendam também Steve Bannon, como prenderam ontem, que já está bom. Trump já pode comemorar. A extrema direita mundial, excitada com o avanço da sua turma na França, também pode pôr as unhas de fora. Incluindo a extrema direita brasileira, que está viva e cada vez mais atrevida e debochada.

Publicado originalmente no Blog do Moisés Mendes

Chegamos ao Blue Sky, clique neste link
Siga nossa nova conta no X, clique neste link
Participe de nosso canal no WhatsApp, clique neste link
Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link