Se por um lado a “grande mídia”, entusiasta de uma linha ideológica única, está pagando seus pecados – a cada dia mais pessoas estão partindo em busca de contrapontos –, muitos internautas estão cometendo os seus. Tudo em nome da liberdade de expressão. Mas não há que se lamentar a decepção daqueles que sobem o tom de voz reclamando-a para si pensando se tratar de um direito absoluto, porque a liberdade de expressão consagrada na Constituição Federal é um direito relativo. Sob o manto do legítimo direito de verbalizar pensamentos – e escondidos atrás da cortina do “anonimato” – muitos internautas têm cometido abusos e até crimes.
No Estado Democrático de Direito todos têm a prerrogativa de livremente manifestarem-se, desde que tal exercício não signifique ferir nome, imagem, honra e privacidade de pessoas, expondo-as ao desprezo, à execração, ao ridículo, à difamação. Por “pessoas” devem ser entendidas, de acordo com o Código Civil, as pessoas naturais (físicas) e fictícias (jurídicas), pois ambas são dotadas de personalidade (capacidade de adquirir direitos e de contrair obrigações). A personalidade, assim, é um bem jurídico protegido pelo Direito.
Aquele que lesar a personalidade de uma pessoa jurídica (nome, imagem, honra, privacidade) é passível de ser conclamado a reparar o dano. Portanto, quando estivermos insatisfeitos, por exemplo, com o banco da nossa conta corrente, com a padaria na qual compramos um refrigerante ou com a operadora de nossos telefones celulares, precisamos nos inspirar com os mesmos cuidados que tomamos quando decidimos nos manifestar a respeito de uma pessoa física.
Prejuízo, seja ele material ou imaterial, enseja reparação. Mas como requisitá-la, ante a barbárie coletiva e sem rosto?
Se um dia a “grande mídia”, dada a sua anunciada decrepitude, foi “terra de alguém”, a internet ainda está longe de deixar de ser “terra de ninguém”. Importante nos policiarmos, por exemplo, quando lemos um texto na internet e decidimos fazer comentários em fóruns de discussão. A figura do moderador inexiste em alguns e, quando existe, precisamos avaliar com bom senso o filtro que está sendo feito ali. Por falar em bom senso, façamos algumas considerações sobre uma expressiva e moderna ferramenta de comunicação e interação social: o Facebook.
Em relação à “grande mídia”, o contraponto gerado no Facebook é muito interessante, porém a rede de Zuckerberg não constitui órgão midiático institucionalizado, tampouco serviço público. O problema é que muitas pessoas enxergam a rede social dessa forma – o que é um equívoco.
No Facebook, os usuários não são clientes, e sim produtos. Os clientes são os anunciantes. A cada “curtir”, a cada “compartilhar”, são acionados intrincados processos de captura e de cruzamento de dados que formam o database marketing necessário aos interesses mercadológicos dos administradores, não fazendo diferença para eles, por exemplo, o que os usuários pensam sobre a vinda de médicos cubanos para o Brasil. O importante, ali, é o usuário vender-se a si próprio (curtindo, compartilhando) como produto que é – e ainda que não tenha consciência disso.
Talvez seja interessante o Facebook ser encarado como “meio” e não como “fim” de interlocução e articulação, pois estamos falando de uma empresa privada munida de interesses comerciais e que visa o lucro, e não de uma prestadora de serviços livres e gratuitos à população.
As comunicações evoluíram e é primordial a consciência de que deixamos de ser apenas receptores e nos tornamos emissores de informações, de modo que pesa sobre esse novo interlocutor enorme responsabilidade. É como se cada um de nós fosse, atualmente, um “pequeno” canal de comunicação inserido em um extenso universo midiático. Vale, nesse contexto, a máxima de Voltaire, o pensador das luzes do século XVIII: “posso não concordar com o que diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizer”. Desde que esse princípio, corolário da liberdade de expressão, seja interpretado em sua grandeza de modo relativo.